domingo, 14 de novembro de 2021

10 - ETERNAMENTE YU YU HAKUSHO

EPS – 10 DÚVIDAS E INDECISÕES

Passaram-se apenas alguns dias, e apesar do grande alvoroço de antes, a vida finalmente começa a voltar ao normal. O mundo continuou a girar com a mesma intensidade, trazendo novas catástrofes e guerras que fizeram as pessoas desviarem um pouco as suas atenções para outras coisas. Assim é a natureza humana.

Yusuke caminha tranquilamente pelo seu bairro, ainda recoberto de curativos e com os braços enfaixados. Muito lixo e algum entulho do que restou das casas que foram destruídas ainda estão espalhados pelas ruas, demonstrando que vai levar um bom tempo até que tudo realmente entre nos eixos.

Ao dobrar a esquina, Yusuke vê uma cena deveras lamentável. Dois delinquentes com típicas máscaras brancas no rosto, abordam uma garota que passava pelo local retornando do mercado e a ameaçam dizendo:

– O que você está levando aí gatinha? Passa logo pra cá essas sacolas e faça tudo o que a gente disser. E é melhor você ficar caladinha hein guria!

A garota parece apavorada, ao que Yusuke se aproxima surpreendendo a todos, e agarra um deles empurrando-o contra a parede com voracidade. Por instinto um deles logo diz:

– Tá ficando doido cara! Tá querendo morrer é?

Mas ao olhar diretamente para seu rosto, o outro delinquente o reconhece e tremendo ele grita antes de sair correndo desesperadamente:

– É o ... Urameshi!

A garota também se arrepia, pois a antiga fama do bad boy ainda o precede. Ela não sabia naquele momento se havia saído da bocados lobos para a do leão, mas sem jeito, tenta agradecê-lo por interferir, antes de também sair correndo do local por via das dúvidas.

Irritado, Yusuke pressiona o cara contra a parede que vai logo dizendo:

– Me desculpa Urameshi, eu juro que não sabia que essa era a sua área. Por favor cara, não me arrebenta não. A minha avó nem sabe que eu faço essas coisas.

Mas neste momento, o jovem deixa uma faca cair no chão e ao olhar para baixo, nota eu o zíper da calça do sujeito estava aberto. É quando Yusuke percebe que as intenções daquele maldito eram bem piores do que ele imaginava.

Verdadeiramente irritado agora por existirem escórias na sociedade como ele, que são capazes de abusar das pessoas mesmo num momento de tamanha fragilidade como nos últimos dias, Yusuke apenas com uma mão, o pressiona novamente com mais força contra a parede enquanto lhe diz:

– Desgraçado, no que você estava pensando!

Assustado, o jovem vê o semblante de Urameshi se tornar assustador de repente e visivelmente fora de si. A mudança foi tão drástica que o delinquente estava convicto de que Yusuke o iria matar naquele momento, como se estivesse diante de um demônio, ou de qualquer fera selvagem. Tremendo com a tensão que se formou no local, ele faz xixi nas calças e implora:

– Por favor cara, não faça isso. Não me mata não cara!

Como o som gutural de uma criatura, ouvimos seu estômago roncar horrivelmente de maneira muito semelhante ao rugido de um animal faminto. Mas no instante seguinte, Yusuke parece recobrar a consciência e larga o garoto que sai correndo desesperadamente e gritando:

– Obrigado cara, muito obrigado! Eu nunca mais faço uma coisa dessas.

Yusuke permanece abalado e imóvel por alguns momentos. Confuso ele se questiona:
 
– “Afinal, o que eu ia fazer!?”

No mesmo instante, ele dobra seus joelhos e apoia-se no muro. Bruscamente ele coloca a mão sobre seu abdômen e escuta seu estomago roncar assustadoramente mais uma vez, despertando uma fome insuportável!

Algo muito estranho estava começando a acontecer.

Não muito longe dali, nas proximidades do hospital, Kuwabara caminha ao lado de Yukina em uma breve pausa na vigília. Mas abalado com tudo que passou ele se mantém deslocado e se perde em seus pensamentos, lembrando de sua irmã e na proposta feita pelo mundo espiritual. Até que finalmente a voz de Yukina o desperta novamente pra vida.

– Kazuma ... Kazuma ...
– Ahnn!? É o que?

– Há algo de errado Kazuma? Você estava com uma cara estranha.

De maneira embaraçosa, Kuwabara sorri e tenta disfarçar dizendo:
– Não é nada não, eu só estava pensando. Me desculpe Yukina.

Ele a agarra pelo braço e a puxa até uma sorveteria. E de maneira muito gentil, vai logo dizendo: 

– “Você vai adorar isso aqui Yukina-chan, é muito gostoso”. Ao que ela experimenta e faz uma expressão agradável dizendo:

– É realmente saboroso ... e coisas geladas me lembram um pouco a minha terra. Sabe Kazuma, eu entendo a tristeza pela qual você está passando, mas você fica muito melhor assim ... sorrindo.

Essa frase toca seu coração de alguma maneira e ele a olha com grande felicidade.

– Obrigado Yukina, é realmente muito difícil ver a Shizuru nessa situação.
– Ela vai sair dessa Kazuma, eu tenho certeza.

Terminado o sorvete, os dois voltam para o hospital do outro lado da rua.

Mais tarde, no meio da noite e durante o sono, o mundo particular de Yusuke é tomado por pesadelos inquietantes. Urameshi caminha em meio ao vazio cercado por escuridão e começa a ter visões confusas de lugares que nunca visitou ou conheceu.

Ele se sente atraído por uma muralha de ossos em meio a um vale pútrido e enevoado. As palavras de Daito se repetem várias vezes e não param de ecoar em sua mente: Hametsu ... Hametsu ...

O corpo de Yusuke desliza pelo espaço, atraído a regiões mais sombrias e logo à frente ele consegue ver a figura de um Yokai assustador reclinado de cócoras devorando restos humanos.

Ele caminha lentamente em sua direção, o observando pelas costas. E se arrepia assustadoramente quando percebe que aquele Youkai era ele mesmo! Yusuke acorda repentinamente e assustado, vê Keiko a sua frente aparentando estar muito preocupada. Ela o questiona:

– O que houve Yusuke? Você estava suando muito e gemendo enquanto dormia, eu tentei te acordar, mas você não reagiu.

Olhando fixamente em seus olhos ele lhe diz:

– Me desculpe, não é nada. Foi só um ... pesadelo.
– Deve ter sido um dos muito ruins hein.

Ela o abraça e ambos se deitam novamente, mas Yusuke já não conseguia mais fechar os olhos e pegar no sono, perdido em pensamentos.

Naquele mesmo dia, Yusuke atravessa a cidade e vai até a casa dos Hatanaka, sendo recebido na porta por Shiori Minamino, mãe de Kurama. Sem o reconhecer, ela o questiona:

– “Pois não meu jovem?”
E desconcertado Yusuke lhe diz:

– Ah, olá! A senhora não me reconhece, mas eu sou muito amigo do Kurama, ops, ... quero dizer, do Shuichi e eu queria saber se ele está em casa?

– A qual Shuichi você se refere? Espera um pouco, você não é aquele amigo que o meu filho me apresentou enquanto eu estava internada no hospital a alguns anos, é você não é mesmo?

– Caramba! A senhora é muito boa em guardar fisionomias.

E de maneira muito educada e gentil ela lhe diz:

– Pois pode entrar, aceita algo para beber? Ele está lá em cima no quarto ... eu vou chamá-lo. Qual é mesmo o seu nome?

– Ah, é Yusuke minha senhora.

– Yusuke. O Shuichi fala muito de você! E das viagens que já fizeram juntos. Ele me disse algumas vezes que vocês são bons amigos.

Surpreso e desconcertado Yusuke questiona: – “Ele fala é !?”

Nesse momento Kurama aparece e vai logo entrando na conversa:

– Sim Yusuke, eu contei para a minha mãe sobre os acampamentos que fazemos regularmente e sobre aquela nossa viagem de estudos pela Europa, lembra?

Num primeiro momento Urameshi se mostra confuso, mas depois compreende que ele deve estar falando do tempo que passaram no Makai.

– Ah sim, mas é claro! Uma pena a gente não ter tirado boas fotos ...

Logo em seguida, Kurama lhe dá um toque e diz:

– Com licença mãe, eu vou subir. Acredito que Yusuke tenha algo importante para tratar comigo por ter vindo de tão longe.


Eles sobem as escadas até o andar superior e Kurama tranca a porta do quarto ao passar, pois sabe que seu irmão também está em casa e não quer ser interrompido.

Yusuke, como sempre espaçoso, logo se atira na cama e coloca as mãos atrás da cabeça enquanto Kurama arrasta uma cadeira e se senta com as pernas cruzadas em sua frente.

– E então Yusuke, o que você queria me falar?

– Eu ando um pouco preocupado com algumas coisas Kurama, então eu meio que vim te pedir alguns conselhos.

– É sobre a sua luta com o Daito?
– Sim, e sobre o que vem ocorrendo antes e depois disso.

“– Me explique isso melhor.” Pede Kurama, um tanto quanto confuso.

– Ando sentido coisas estranhas e até fiquei fora de mim algumas vezes durante a última batalha.

– Não estaria apenas empolgado, por ter encontrado uma boa luta depois de tanto tempo? Você inclusive me disse que estava se sentindo entediado devido a calmaria do último ano.

– Na verdade, essa não é a primeira vez, a cada batalha que eu entro o meu sangue ferve, e parece que por mais que eu lute, nunca é o bastante. Eu nunca estou satisfeito.

– Humm ... Você sempre gostou de lutar Yusuke, sempre se jogou de corpo e alma nos confrontos que enfrentou e ainda por cima despertou como um Youkai, acredito que seja normal que você se sinta assim as vezes.

– É, mas desta vez parece diferente. Tem outras coisas: Eu não estou dormindo direito, senti fortes dores no peito e até sonhei que estava devorando pessoas.

Com uma cara engraçada de espanto, Kurama diz a seu amigo:

– Agora sim você está me assustando Yusuke! Pensei que não sentisse este tipo de desejo.

– Eu nunca havia sentido isso antes. Mas agora, tudo mudou.

– Imagino que seja por que você ainda está muito fraco após a sua luta contra o Daito. Essa é uma característica forte e até primitiva, em alguns Youkais que se alimentam exclusivamente de humanos. Você deve conseguir se segurar pelos próximos dias até isto passar. Mas se essa condição persistir, pode se tornar um sério problema no futuro mediante a vida que você leva.

– A vida as vezes é engraçada. Você é um youkai que se tornou um tanto quanto humano. E eu aqui, me tornando cada vez mais, um youkai.

Tentando ignorar o problema ao mudar de assunto, Yusuke lhe diz:

– Sabe Kurama, tem uma coisa que eu sempre quis te perguntar: Você era temido como um ladrão de sangue frio. Um Youkai terrível que vagava pelo mundo das trevas saqueando e roubando. Mas você mudou bastante, e não venha me dizer que foi apenas por que renasceu como um ser humano. Pois eu ouvi suas histórias ... de quando ainda vivia no Makai, não pareceu para mim que você realmente possuía grandes ambições assim como o Yomi por exemplo.

– Ah, mas eu tinha. Por um tempo até cogitei me tornar uma terceira força no mundo das trevas. Mas o poder dos reis era algo absurdo demais para lidar. O máximo que eu iria conseguir era ficar preso num tríplice impasse, senão, morrer tentando.

– Eu entendo o que quer dizer. Quanto mais forte ficamos, mais parece que eles estão num nível inalcançável.

– Sim, só que não foi apenas por isto. Mesmo naquela época eu já estava começando a me tornar uma pessoa diferente. A princípio, eu apenas gostava do risco na hora de cometer os roubos, e ficava satisfeito em possuir alguma fama entre os ladrões. O que ninguém nunca soube, é que com o tempo, eu passei a devolver parte do espólio.

– O quê?! Como assim?

– Uma parte dos artefatos e tesouros que roubei eu doei secretamente à Youkais pacíficos de regiões que conheci em minhas viagens pelo Makai e por algumas vezes, eu apenas os recuperei para seus verdadeiros donos.

– Tá de brincadeira comigo! Isso é verdade? Então afinal de contas você não era um cara tão mal assim, não é mesmo?!

– Cada um possui seu próprio caminho Yusuke, acho eu comecei a descobrir o meu bem antes, em minhas andanças pelo Makai, ao conhecer lugares e pessoas que muito além das ambições e assassinatos, tinham espaço em suas vidas para coisas mais importantes como a amizade e o amor. Apesar de que eu mesmo só fui capaz de conseguir compreender essa questão em totalidade, após receber o amor daquela que está lá fora. Ainda assim, quando eu deixei tudo de lado e parti do mundo das trevas, é por que já estava tentando encontrar o meu lugar.

– Cara, essas viagens devem ter sido incríveis, realmente parecem ter mudado muito você. Imagino que tenha visto muita coisa, e conhecido todo tipo de gente.

– Talvez você devesse fazer o mesmo Yusuke.
– Humm, talvez ... mas não sei se este é o momento certo.

– Ainda está preocupado com as consequências da batalha? O mundo espiritual está cuidando de tudo, então não tem com o que se preocupar agora.

– Que nada, o Daito me falou umas coisas estranhas as quais não consegui engolir até agora. Disse que alguém o avisou sobre mim, e que isto lhe fez vir ao Ninguenkai. Que estava atrás do sangue de Raizen que corre em minhas veias e que eu era a chave que ele tanto buscou. Além disso, disse que isto não vai parar, que outros virão atrás de mim.

– Entendo, então há outros à espreita em algum lugar do Makai se preparando para uma nova investida.

Só que desta vez eu não vou ficar parado não. Eu é quem vou atrás de cada um destes malditos para acabar de vez com esta história.

– Nós não devemos nos precipitar. E quanto a chave, o que mais disseram? Você seria uma chave para quê?

– Um tal de ... Hametsu. Ele falou várias vezes sobre isto.

– Hametsu!? Isto sim é realmente muito interessante. Existe um lugar com este nome nas profundezas do mundo das trevas, é muito antigo e está em ruínas. Eu já estive neste lugar, é uma região inóspita e perigosa demais.

– O quê? Isto é verdade Kurama? O que você buscava neste local?

– Há uma antiga lenda sobre um grande poder que fora lacrado em Hametsu, mas com a força que eu possuía na época, não consegui chegar nem perto de mover aquelas portas. Seria um tanto quanto arriscado, mas eu poderia levar você até lá se for isso que realmente deseja. Talvez a gente acabe por encontrar as respostas que tanto buscamos.

– É hora de correr atrás de explicações e de acertar as contas com esses desgraçados. Eles se meteram com a pessoa errada. Mas como chegaremos ao Makai agora? Depois de tudo o que houve, os portais, com certeza, devem estar totalmente fechados.

– Talvez exista uma forma, amanhã o Hiei vai voltar para o mundo das trevas. Ele não quer admitir, mas está muito preocupado com Mukuro e até ameaçou tacar fogo em tudo caso os soldados da SDF não abrissem uma passagem segura para ele. Se você realmente estiver decidido, poderíamos seguir todos juntos.

Impulsivo como sempre, Yusuke pensa apenas por alguns segundos:
– Vamos nessa!

Já no dia seguinte, num local arborizado, Hiei e Kurama se preparam para atravessar o portal aberto pelos soldados das forças SDF, onde Kuwabara e Yukina se despedem deles. Logo, Yusuke chega acompanhado de Keiko e após um caloroso abraço da garota, Urameshi se aproxima de Kazuma que lhe diz com seriedade:

– Eu resolvi aceitar a proposta que o Koenma me ofereceu.

– Isso pode até ser bom para você Kuwabara, só não vai muito na onda daqueles caras, ok? Mas aproveita e treina um pouquinho por lá, você anda muito fraquinho, já ficou para trás. Tô só avisando ...

– Ora seu desgraçado! Quem acabou com boa parte dos youkais da invasão fui eu! Você só matou “um” cara. Mas pode deixar que eu vou com certeza ficar muito mais forte do que você, que é para acabar com essa sua raça, maldito!

Yusuke ignora a raiva de Kuwabara e acaricia Puu que parece maior a cada dia. Em seguida, antes de atravessar o portal, ele se vira para Keiko e como em poucas vezes em toda a sua vida, fala algo com seriedade:

– Keiko, eu sei que já te deixei me esperando mais de uma vez, mas infelizmente é assim que eu sou. Quando menos esperar, já estarei de volta.

Keiko abraça seu abdômen com força e segura a respiração, como se estivesse escondendo algo que se revelado, seria capaz de mantê-lo ali. Mas engolindo à seco seus próprios sentimentos, ela prefere se manter paralisada e lhe deixa ser um espírito livre. Uma lágrima corre em seu rosto discretamente enquanto Urameshi se dirige até o portal acompanhado de Kurama e Hiei, até que logo desaparecem. Assim eles partem mais uma vez para o mundo das trevas em uma nova jornada.


Fim do episódio ... nos vemos no próximo volume: “Uma viagem pelo Makai”.

Eu não conheci o outro mundo por querer!
Essa noite o tempo passa devagar ...

09 - ETERNAMENTE YU YU HAKUSHO

EPS – 09 CORAÇÕES EM PEDAÇOS

Poucos dias se passaram desde que a grande crise chegou ao fim mas as coisas parecem não entrar nos eixos no Ningenkai. Não teve como evitar que as notícias se espalhassem rapidamente como um rastro de pólvora, as medidas de segurança tomadas pelo Reikai, tais como fechar as fronteiras da cidade e tentar apagar toda notícia vinculada à investida de Daito não obtiveram sucesso.

Embora o Reikai, tenha tentado a todo custo esconder do resto do mundo o que realmente aconteceu ali, tudo foi em vão. Todo o esforço de Koenma em tentar fazer uma aproximação pacífica entre humanos e youkais, estava perdido. As centenas de corpos espalhados pelas ruas, fotos e vídeos circulando pelo mundo todo, fizeram com que os humanos ficassem extremamente apavorados e passassem a ficar trancados em suas casas. Temendo que este seja só o começo de uma grande guerra, a população japonesa se agarra ao desespero e fica tão abalada quanto estiveram após a destruição de Hiroshima e Nagasaki. O contato com o sobrenatural, inflamou sua fé repentinamente e aumentou a religiosidade nas pessoas, que não veem outra saída senão se agarrar à sua espiritualidade.

A SDF também foi enviada pelo Reikai para encontrarem os inúmeros Youkais que perambulam pela região ilegalmente, pois mesmo que a nova barreira tenha impedido que mais deles viessem para nosso mundo, alguns dos eu já estavam aqui recobraram a consciência e fugiram do campo de batalha após a derrota de Daito.

As ruas começam a ser desobstruídas e a ajuda chega aos poucos trazendo água e alimento como ocorre em qualquer grande catástrofe natural. E enquanto toda esta grande movimentação acontece, os pequenos e dolorosos problemas atingem todas as famílias que sobreviveram, mas que perderam familiares e amigos queridos.

Longe dali numa clareira, um ainda ferido e esgotado Yusuke, juntamente com Kuroko Sanada, observam o último local da batalha. Anteriormente perdido em pensamentos, Urameshi diz em voz alta:

– O corpo dele já não está mais aqui.

– Não, ele deve ter sido levado pelos agentes do Reikai assim como está ocorrendo ao cadáver de todos os outros Youkais da invasão.

Yusuke caminha pelo local por algum tempo, mas pouco depois, sente uma forte dor em todo o seu corpo. Tomado por uma repentina vertigem, ele se ajoelha por alguns segundos até que Kuroko se aproxima preocupada e lhe ajuda a se levantar dizendo:

– Você está bem?
– Estou sim, é que o meu corpo ainda não se recuperou. Devo estar muito fraco.

Enquanto eles conversam, dois Youkais os observam de longe, por entre as árvores. Com olhares maliciosos e semblantes de pura maldade, mas diferentemente de seus irmãos bestiais, estes parecem deter certo grau de inteligência, pois parecem orquestrar um plano de ação. Um deles, é uma criatura alta, com pele escamosa, e traços semelhantes aos de um lagarto humanoide, tendo ainda chifres sobre sua cabeça, diz para seu companheiro:

– Este é o momento perfeito, eles estão sozinhos. O rapaz está fraco e ela não parece ser muito poderosa.

– Não! Nossos companheiros já levaram o corpo de Lord Daito de volta para o Makai, talvez eles precisem de ajuda pois era muito pesado. Além disso, eu ainda preciso levar esta Magatama* aos nossos mestres (Obs: Jóia ancestral cujas origens se entrelaçam com a da bola Gaki, outrora usada por Gouki). Discorda o companheiro que possui traços felinos.

– Não seja tolo, se conseguirmos capturar o garoto, o mestre ficará muito feliz. Vamos lá, eu vou na frente.

Yusuke sentindo-se melhor, vira-se para Kuroko dizendo:
– Eu já sabia que não teria nada por aqui, mas eu precisava ter vindo.

Não mais que de repente, Kuroko grita para Yusuke:
– Abaixe-se!

Que num rápido movimento, segue as ordens da ex-detetive a tempo de lhe ver disparar uma imensa rajada de energia em direção aos arbustos que atinge alguém que o atacou rápida e silenciosamente.

Sentindo a presença de outro inimigo no local, Yusuke aponta seu dedo indicador e grita: “– Lei-gun!”

Porém sem sucesso, pois sua arma espiritual não funcionou. Ao que ele continua:

– Droga, eu estou completamente sem energia. Achei que tinha visto alguém se esgueirando por ali também, mas agora é tarde, já fugiu.

– Por que ainda estão te atacando? Eles não estavam sob o controle mental de Daito? E este já não está morto? O que foi tudo isso afinal? Questiona Kuroko, com um olhar distante.

Ao que ainda confuso, Urameshi lhe responde como pode:

– Eu ainda não sei ao certo. Mas ficou claro para mim que Daito não estava sozinho nessa. Ele não tinha nenhum interesse no mundo dos homens, veio aqui unicamente atrás de mim. Pelo visto eu sou uma espécie de chave. Mas o que eles realmente desejam, está num lugar chamado Hemetsu e eu não vou ter paz até conseguirem.

Kuroko então se despede de Yusuke dizendo:

– Bom, eu não posso mais ficar por aqui, preciso voltar para minha cidade e rever minha família. Lhes dei notícias, mas eles ainda devem estar preocupados.

– Eu entendo. E obrigado por toda a ajuda que nos deu.

Antes de sair Kuroko lhe diz:

– Yusuke, saiba que Genkai estaria orgulhosa. Você salvou a cidade.

– Só que não é assim que eu vejo. Olhe a sua volta Kuroko. Eu não salvei nada, foi a minha existência quem atraiu Daito para cá. Retruca um descrente Yusuke enquanto se vira e começa a caminhar.

Sentindo sua tristeza, Kuroko questiona: – “E o que vai fazer agora?”

Ao que ele responde com o coração apertado antes de sair de cena:
– O mesmo que todos estão fazendo ... enterrar os mortos.

Algumas horas depois, no princípio da tarde, Kazuma Kuwabara arrasado se recusa a ir embora da sala de espera do hospital até ter alguma modificação no quadro de sua irmã. Yukina permanece ao seu lado durante todo o tempo enquanto o mesmo se mantém inconsolável em sua tristeza.

– Kazuma, você precisa descansar, ficar aqui não vai mudar o quadro dela.

– Eu sei Yukina-chan, mas eu não consigo, eu sou tudo que ela tem, nosso pai disse que estaria aqui, mas até agora não apareceu para revezar comigo.

– Entendi, mas você precisa pelo menos tomar um banho, comer, está acordado há dias. Como vai ajudar sua irmã se continuar nesse estado? Nem os meus poderes curativos têm ajudado a Shizuru a acordar, mesmo que já tenha tentado várias vezes.

– É isto que está me destroçando. Ela está numa condição em que eu não sou capaz de fazer nada para ajudar.

Pouco depois, Yusuke chega acompanhado de Keiko e é abordado por Kurama perto da porta do quarto, que lhe diz:

– Olá Yusuke, você não parece bem, como está se sentindo?

– Ah, oi Kurama. Eu estou todo quebrado. A batalha foi difícil e me deixou de cabeça quente, tenho muita coisa pra pensar. Mas e você, o que está fazendo aqui? Parece até pior do que eu. Por que está tão triste?

– Fui eu quem disse para mantermos a Shizuru por perto durante a batalha. Foi ideia minha, a responsabilidade é minha, e não consegui evitar que ela fosse ferida. Mesmo agora, as ervas que possuo não podem ajudá-la. Responde Kurama.

Vendo o estado de todos, Yusuke muda completamente de postura e entra no quarto de maneira espalhafatosa, esbravejando:

– Escuta aqui Kuwabara, você vem pra casa agora comigo, tá me entendendo? Você vai comer e dormir nem que eu tenha que te nocautear pra isso! Tá pensando o que? Saco vazio não para em pé rapá.

Neste momento, Yusuke toma um grande tapa da Keiko e vai ao chão.

– Eu falei pra você não ser grosseiro Yusuke! Isso aqui é um hospital! Você não disse que só ia falar com ele? Reclama Keiko com cara de quem está muito brava com o Urameshi.

Apesar do escândalo, Kazuma parece que nem notou a presença deles ali. E logo todos se calam ao ouvirem ele deprimido e fitando o chão, dizer baixinho:

– Eu só queria poder falar com ela, dizer que estamos aqui e que ela precisa ser forte. Diz um sofrido Kuwabara.

Antes que alguém pudesse responder qualquer coisa, Kuwabara percebe que Yukina e Keiko estão paradas como estátuas. Num rápido olhar, nota que o ponteiro de segundos do relógio da parede também parou, e que apenas ele, Kurama e Yusuke não foram afetados.

– E se eu disser que existe um jeito disso acontecer? Diz Koenma, ao chegar de repente e interromper toda a conversa. Com o aspecto de uma criança, ele flutua no centro da sala.

– Koenma! Exclamam todos ao mesmo tempo.
– O que aconteceu com as meninas? Pergunta Kuwabara.

– Não se preocupe, elas estão todas bem, eu apenas congelei o tempo dentro desta sala, pois a conversa que vamos ter é um tanto quanto delicada. Mas não vai durar muito, então vê se presta bastante atenção: O estado atual da Shizuru é muito mais grave do que você imagina. Pode ser que ela não acorde nunca mais deste coma. Pois como posso dizer ... ela realmente está entre a vida e a morte. O corpo e a alma possuem ondas de frequências diferentes, que se conectam apenas quando estão em sincronia. O choque que ela sofreu, fez com que este equilíbrio entre ambos se perdesse, e agora ela literalmente não sabe se está viva ou morta. Com o cuidado certo, o corpo ficará bem, más no caso da alma dela, é um pouco mais complicado. Para se recuperar totalmente, a Shizuru precisa de uma injeção de energia vital e precisa lutar para reestabelecer sua conexão com o mundo dos vivos, ao decidir por si mesma, se vai ficar por aqui ou se vai desencarnar. E é aqui que nós entramos. Primeiro, eu vou transferir parte da sua energia vital para o corpo dela enquanto ao mesmo tempo, vou te levar para dentro do sonho dela, numa viagem astral guiada onde você poderá conversar pessoalmente com ela, e poderá convencê-la a ficar.

Yusuke se recorda do passado e interrompe Koenma dizendo:

– Ah, é verdade! Eu tinha me esquecido desse lance de entrar nos sonhos! Eu já fiz isso uma vez! Quando estava vagando por aí como um fantasma, foi a Botan quem me ensinou a fazer este negócio.

– Só que neste caso é diferente. Ela não está apenas dormindo, está num sonho pré-morte e sua ligação com a vida pode desaparecer a qualquer momento levando a sua consciência junto com a dela para o limbo. Ou seja, isso é perigoso para os dois. É por estas e outras razões que o Reikai possui regras rígidas e não permite que ninguém interfira no fluxo natural da vida.

Ouvindo isto, Kurama os interrompe dizendo:

– Mas espera um pouco Koenma, se o mundo espiritual não permite que isso seja feito, por que você está aqui agora? Vão abrir uma exceção?

– Bom, é agora que a nossa conversa fica complicada. O mundo espiritual realmente vai permitir que isto aconteça desta vez, pois se trata de um caso muito especial, porém o meu pai impôs uma condição.

– Tá de sacanagem? Como assim condição? Ele já não é um Detetive Sobrenatural atuando aos seus serviços, que história é essa de condição? Vocês é que estão devendo uma pra ele. Diz um Yusuke revoltado.

– Pera lá Yusuke que eu já vou explicar. Antes de tudo, isto não está em minhas mãos. Você sabe como é o meu pai e é ele quem está de volta ao comando agora. A situação é a seguinte: O poder despertado por Kuwabara durante a batalha, chamou muito a atenção do mundo espiritual. A energia sagrada é algo especial mesmo para o Reikai. E o que o meu pai quer é que você treine o Seikouki sob a tutela do Reikai e aceite se tornar o protetor do mundo dos homens. Como você bem sabe, atualmente o mundo espiritual não consegue lidar com youkais de categoria “S”, mas com o treinamento certo, a sua força poderá rivalizar inclusive com a de seus companheiros um dia.

– Acho que não entendi Koenma, como detetive eu já não sou este protetor?

– Sim, mas o que eles esperam é um acordo diferente, mais compromissado. Uma ligação mais forte com o Reikai. Eles basicamente querem que você se torne um membro da SDF, literalmente um soldado, e que execute certas ordens sem muito questionar. E é aí que tudo se complica, pois isso pode te levar a realizar algumas missões das quais você não gostaria. Digo, você seria capaz de enfrentar até mesmo os seus companheiros caso fosse necessário?

– Eu não estou ouvindo isso, tá tirando onda com a minha cara Koenma? Depois de tudo o que fizemos nós agora é que somos considerados uma ameaça? Mas deixa quieto. Afinal, até parece que o Kuwabara faria algo assim. Não é mesmo Kuwabara? Kuwabara ...

Yusuke observa atônito seu amigo desviar o olhar e fitar a parede com seriedade. Pensando unicamente em sua irmã neste momento ele apenas diz:

– Eu preciso de um tempo para pensar a respeito.

O clima na sala fica horrível de repente. Antes de sair porém, Koenma lhes diz:

– Tudo bem, eu vou avisar ao meu pai e preparar as coisas caso aceite. Eu te procuro assim que você fizer contato.

Logo depois, a imagem residual de Koenma desaparece, o tempo se reestabelece e as meninas voltam a se mexer normalmente. O estranho clima de tensão que paira no ar por sua vez, parece que irá demorar a desaparecer.

Não longe dali, no terraço do Hospital, Hiei se mantem absorto em seus pensamentos, até ser surpreendido por Kurama, que como uma raposa aproximou-se sem ser notado.

– Pensando em Mukuro? Ou quem sabe ... na Yukina?

– Mas que diabos... está me seguindo agora Kurama? E que papo é este?

Vendo a expressão de Hiei, que transparece constrangimento e raiva, Kurama sorri e lhe dá um tapinha nas costas forçando-o até mesmo a descruzar os braços ... o que o irrita bastante.

– Você já contou para ela não é mesmo? Que são irmãos. Todo mundo já está sabendo disso. Eu só vim lhe dar meus parabéns pela coragem.

– Ora seu ...

Neste momento, Kurama nota a presença de Yukina que surge de pé logo atrás dele e virando-se, constata que é hora de ir.

– Acho que essa é a minha deixa. Melhor deixar vocês dois a sós.

– Seu idiota ... resmunga Hiei.

– Hiei, que bom que você ainda está por aqui. Não tivemos a oportunidade de conversar depois daquela hora ... há tanto que eu quero te dizer. Diz Yukina com um sorriso singelo na face.

Desconfortável, Hiei apenas consente afirmando com a cabeça positivamente. Os irmãos parecem conversar por um tempo. E tudo o que vemos por fim é o colar com a pedra da lágrima sendo devolvido por Hiei a Yukina e um doce, mas reconfortante sorriso da garota das neves. Os irmãos estavam finalmente unidos, apesar de sabermos que Hiei jamais lhe contará os detalhes sobre o seu verdadeiro passado sombrio.

Pouco depois vemos Yusuke, Keiko e Botan caminharem pelas ruas ao voltarem para casa. O clima parece péssimo até que Urameshi quebra o silêncio e pergunta:

– Aí Botan, que diabos de neblina estranha é essa agora?

– Ah, eu esqueci de te falar. O mundo espiritual está usando essa espécie de nevoeiro por toda a cidade para fazer as pessoas se sentirem melhor. Além de tranquilizante, ela faz com que o organismo produza substâncias que favorecem à superação dos traumas e ajuda as pessoas a lidarem com as grandes tragédias que viveram, fazendo com que elas possam seguir em frente, mantendo o seu foco no futuro. Acho que a última vez em que ela foi utilizada por aqui foi na segunda guerra mundial. Acreditam nisso?

– Não sabia que eles eram capazes de fazer isso, de nos manipular desse jeito. Responde um irritado Yusuke, que enxerga neste ato, muito mais do que solidariedade. Preso em pensamentos, ele fita Keiko com um olhar de preocupação. Ao que ela replica:

– Ih, o que foi Yusuke? Está estranho ...

– Humm? Não é nada. Foi só uma sensação ruim que tive pensando em tudo o que houve recentemente. Ontem mesmo a Shizuru tava aí, e agora ... bem, você já sabe.

– Ah, para com isso. Tá com medo de me perder agora é? Logo você?
– É ... eu estou.

Keiko para de sorrir de repente ao perceber que Yusuke está falando sério. E não consegue sequer se lembrar de qual foi a última vez em que já lhe viu com medo.

Fim do episódio.
Eu não conheci o outro mundo por querer!
Eu sei que meu coração, agora dói ...