quinta-feira, 25 de maio de 2023

19 - ETERNAMENTE YU YU HAKUSHO

EPS – 19 NAS PROFUNDEZAS

Nas ruínas de Hametsu, vemos uma figura feminina surgir e cambalear em meio à poeira erguida pelos ventos que assolam aquele lugar amaldiçoado, praticamente se arrastando até chegar ao imenso pátio externo da construção que ao longo de séculos foi tomada por raízes, onde encontra-se reunido o grupo de Youkais, que anseia libertar do abismo um mal muito antigo. A garota em questão trata-se de Hoozen, que gravemente ferida, agoniza até ser amparada por sua companheira Sayaka. Preocupada, ela logo lhe questiona:

– O que houve Hoozen?! O que aconteceu?

Com dificuldades, a mesma lhe responde quase em sussurros:
– Nós falhamos. Subestimamos a força daqueles desgraçados.

Vendo que mesmo uma guerreira tão respeitada e formidável quanto ela encontrava-se em tão péssimas condições, o quieto e recluso Takuma, descruza seus braços e se aproxima vagarosamente dela para avaliar a gravidade de seus ferimentos. Ele nota que Hoozen estava com a pele completamente queimada, estava cega de um olho e carregava um braço destruído. Alguém capaz de fazer tudo aquilo era sem dúvidas, digno de seu interesse.

Uragami então se aproxima dela e se prepara para curá-la usando seus poderes. Quando, agarra agressivamente umas das pequenas criaturas aladas de Takuma e molda sua carne através de sua energia, dispersando no ar um intenso e luminoso brilho que clareia todo o ambiente ao seu redor.

Enquanto insere e mescla a criatura à pele deformada de Hoozen, ela rapidamente se regenera. Uragami estava fundido aquela monstruosidade youkai ao seu corpo, e com este ato, estava restituindo parte do que seria a sua plena saúde. Com seus ferimentos mais graves curados, o restante ela seria capaz de recuperar por si mesma, mediante um simples descanso.

Mas, antes mesmo que Hoozen pudesse dizer qualquer outra palavra, Sayaka lhe questiona:

– Hoozen, onde estão os outros? Onde está o meu irmão?! Não me diga que ...

– Sim. Infelizmente ele está morto minha querida, eu sinto muito. O mesmo aconteceu ao Yajima. A maldita Darla está com eles, ela os está ajudando! Traiu a única esperança que havia de existir um futuro para o nosso clã. Warrhhh!

Neste momento, Hoozen se excede e regurgita o próprio sangue pela boca, caindo de joelhos sob o chão. Com semblante sério, Uragami estende uma de suas mãos sobre ela e logo, sua energia esverdeada volta a brilhar, transmitindo efeitos curativos àquela mulher. Sayaka sente-se desconsolada e jura vingança enquanto seu líder finalmente se pronúncia dizendo:

– Darla não entende que precisamos reaver o acesso àquele poder para termos de volta um propósito para nossa existência. Mas há males que vem pra bem. Se ela está com eles, então sabemos assertivamente para onde irão. Descanse Hoozen, e controle sua raiva Sayaka, pois muito em breve vocês poderão descarregar toda a força da sua ira contra aqueles insolentes.

Longe dali, no âmago da escuridão, o grupo liderado por Yusuke caminha com cautela pelas areias da insondável vastidão entrecortada por rochas daquele que é considerado um dos lugares mais perigosos do mundo das trevas. Ao seu redor, à espreita, inúmeros olhares brilham por entre as fendas das gigantescas ossadas deixadas ao relento por seres que outrora vagaram por milênios naquele lugar, sendo agora, apenas desgastadas pelo tempo.

Ao longe, Yusuke testemunha uma figura sinistra se erguer na escuridão, tão grande que poderia facilmente ultrapassar as nuvens se elas ali existissem. Muito semelhante ao ressequido Errante que viram no princípio de sua viagem, talvez ele até fosse um outro remanescente da sua mesma espécie, vagando sem rumo no vazio, e para o qual, a presença do grupo ali não era mais significante do que a de um microscópico germe.

O murmúrio estridente da criatura, porém, soa imensamente forte a princípio, e logo em seguida, passa a se parecer mais com um entristecido lamento a ecoar ao longe. Isto de alguma maneira parece afetar a todos os ali presentes, que passam a observar a criatura enquanto ela segue seu caminho, agora em silêncio, para o horizonte. Onde numerosas criaturas aladas e paisagens sem fim alcançavam até mesmo, onde se perde a vista.

Diante daquele lugar espectral, um ansioso Yusuke deixa escapar um pensamento:
– É tenebroso. Não sei como alguém pode sobreviver aqui.

Ao que Kurama o complementa dizendo:

– É impossível não se sentir desconfortável aqui não é mesmo? Quando vemos com nossos próprios olhos que este lugar é tudo aquilo que nos disseram que seria.

Logo depois, porém, o som de um galopar passa a ser ouvido muito próximo a eles e anuncia a chegada de um grupo estranho de Youkais, montados em criaturas insectóides muito semelhantes a gafanhotos.

A cavalaria os cerca com pelo menos uma dezena de indivíduos, e ao prestarem mais atenção nas características físicas das figuras ao seu redor, eles percebem que estão sem sombra de dúvidas, rodeados por Mazokus.

Yusuke sente-se como se tivesse caído em uma emboscada e se prepara para o combate, mas Darla se antecipa e toma a frente, intervindo ao dizer:

– Esperem! Eles estão comigo.

O líder do grupo era um homem imponente, com altura elevada, orelhas pontudas e um olhar firme. Sobre seus ombros, exibindo familiaridade, estavam as marcantes tatuagens Mazoku. Chamando a atenção, um imenso martelo de guerra pendia ao lado de sua montaria, sugerindo que fosse empunhado com ambas as mãos devido ao seu tamanho, porém a empunhadura revelava que ele era capaz de manejá-lo com uma única mão, dada sua força e habilidade. Vestia uma roupa camuflada, como se quisesse ocultar-se nas sombras da noite ou passar despercebido pelos animais que o grupo aparentava caçar. Observando com maior atenção, notava-se a fuligem metálica impregnada em diversas partes de sua pele, como nas mãos, pescoço e até mesmo em algumas áreas de sua vestimenta, evidenciando de onde provinha sua destreza com o martelo. Ele se destacava do grupo e feliz em vê-la, exclamava:

– Darla! É mesmo você? Há! Eu sabia que conseguiria!

Ele desce da criatura e a abraça como se o estivesse fazendo à sua própria filha, ou a uma irmã mais nova muito querida. Em seguida, se dirige à Yusuke e lhes dá as boas-vindas, apertando sua mão com firmeza.

– Ouvimos falar muito de você garoto. Sua existência dividiu o pouco que restava da nossa tribo, mas sua chegada até aqui nos traz grande esperança.

– Ih, lá vem vocês com essa história de novo. Já vi que vai ser uma bomba. Só não vai se animando muito não ok meu chapa, pois na verdade eu ainda nem tô muito por dentro do assunto.

Confuso, ele busca na face de Darla uma resposta à sua pergunta:
– Eu não entendo. Ainda não lhe disse nada? Mas então ...

– Eu disse algumas coisas Tsujimura. Mas você não faz a menor ideia do quanto esse aí é cabeça dura. Deixa o velho Hiroshi explicar tudo para ele. Ele é melhor com as palavras do que eu. A minha função eu cumpri, eu o trouxe até aqui.

– Bom, então venham, o que estão esperando? Vamos o mais rápido possível para a aldeia. Todos estão ansiosos para vê-lo.

O homem chamado Tsujimura Nagai, monta novamente no dorso da criatura como se a mesma fosse um cavalo, enquanto alguns do seu grupo se espalham, dividindo a montaria. Tsujimura cora ao notar primeiramente a beleza e somente em seguida, o braço mecânico destruído de Mukuro. E então lhe pergunta:

– Você ainda consegue montar?
Intentando talvez, que ela viesse junto consigo.

Ao que Mukuro em resposta, toma as rédeas de um deles com muita imponência, recusando seu convite. Vendo sua postura altiva e independente, Tsujimura parece ainda mais interessado, e quase que em tom de flerte, continua o que dizia:

– Escute, acho que eu posso te ajudar com isso aí. Sou um renomado ferreiro na minha tribo e acredito que tenho algo que possa lhe servir. Quando chegarmos lá, você bem que poderia vir até a minha oficina para dar uma olhada, quem sabe ...

Mas neste momento, Hiei que até então estava de birra com Mukuro, se lança para a garupa da criatura que era conduzida por ela, como se estivesse de algum modo, marcando presença em seu próprio território. Ele olha fixamente para os olhos de Tsujimura, que constrangido, parece finalmente entender bem toda a situação. Ele então desconstrói o sorriso em seu rosto e solta um suspiro, depois, vai saindo de fininho tomando a dianteira.

Percebendo tudo pelo canto do olho, Mukuro parece simplesmente ignorar os seus dois pretendentes, e apenas coloca a criatura em movimento. Yusuke por sua vez, também está desconsertadamente muito junto à Darla, abraçando-a por trás e pensando no que a Keiko diria se lhe visse daquele jeito.

Neste momento, a milhares de quilômetros dali, no mundo humano, Keiko Yukimura, a radiante esposa de Yusuke, quebra um copo ao apertar com força involuntariamente uma de suas mãos.

Vendo aquilo, Shizuru, que já aparenta estar bem melhor, lhe questiona:
– Você está bem Keiko? O que houve?

– Não sei o que me deu, foi só raiva, assim de repente. Não se preocupe que não deve ser nada demais, só ansiedade mesmo pela ausência do Yusuke. Faz tempo que eles estão viajando né? Há semanas já.

– É verdade. E como será que anda o treinamento do meu irmão?

Ambas fitam a janela enquanto de volta ao Makai, o grupo de Mazokus onde se encontra Yusuke, galopa em disparada, levantando bastante poeira atrás de si por onde passa, enquanto atravessam vales e paisagens exóticas.

Indo na retaguarda do grupo, Hiei quebra o silêncio que se formou entre ele e Mukuro há dias dizendo com um tom de voz bem baixinho e quase se engasgando com as próprias palavras:

– Eu sei que não tive a melhor das reações quando notei o estado atual do meu rosto…

Ele neste instante para e olha atentamente para Mukuro buscando alguma reação, mas ela parece ignorá-lo. Ele então insiste mais uma vez falando um pouco mais alto, mas desviando o olhar para baixo:

– Quero dizer … eu realmente não me importo se isso te deixou irritada ou não. Só quero que você saiba que eu realmente não tive a intenção de te ofender.

Neste ponto, quase sorrindo, Mukuro expressa uma reação:

– Ora, ora, se não é o todo invocado Hiei tentando a seu modo por pra fora um pedido de desculpas. Você já fez isso alguma vez em toda a sua vida? Parece um blutz que ainda não aprendeu a usar as palavras.

– Tss, cretina! Só aceite e façamos de conta que isso nunca aconteceu.

– Eu não me ofendi. Essas cicatrizes trazem orgulho para mim. Elas não me recordam da dor, mas sim da superação. São a minha força. As suas marcas deveriam fazer o mesmo por você.

Ao completar essa frase, Mukuro puxa o arreio e aperta o passo de sua montaria, tornando a reinar o silêncio entre ela e Hiei pelo resto do caminho. Contudo, eles não tardam muito a chegarem ao seu destino.

Logo, todos deixam às exóticas criaturas que usavam como montaria de lado e seguem a pé pelas estreitas vielas entre as tendas feitas de couro e as casas rústicas de madeira da pequena vila que os cerca.

Enquanto são rodeados pelos moradores locais, sua presença chama bastante a atenção das crianças, mulheres e idosos, de modo geral, gente de todo tipo; sendo eles, todos Mazokus em sua essência apesar de sua pressuposta natureza pacífica. O que também podia ser percebido mediante o reflexo de sua cultura nitidamente tribal e característica, onde as peles das caças se encontram esticadas ao sol por todo o caminho, junto às carnes e os grandes ossos das criaturas abatidas, que seriam usados posteriormente como pilares para erguer suas novas tendas.

Vendo que não conseguiam mais avançar entre as dezenas de pessoas curiosas, Nagai grita: – “Abram espaço! Precisamos ver o mestre Hiroshi.”

Mas em meio aos sussurros da multidão alguém lhe diz:
– Ele está aqui. O mestre já está aqui.

Do meio daquelas pessoas então, surge um diminuto ancião de sobrancelhas espessas e olhos caídos, quase semicerrados. Com suas orelhas pontiagudas, bigode e barba longa, emanava uma serenidade surpreendente, mesmo que as marcas tribais em seus ombros desnudos deixassem evidente que ele também era um guerreiro Mazoku.

Hiroshi coloca as duas mãos atrás das costas e se aproxima de Yusuke vagarosamente e em silêncio. Ele o examina com o olhar por alguns minutos, enquanto caminha à sua volta. Já se sentindo desconfortável com toda aquela situação, Urameshi logo faz cara feia. Mas com um sorriso gentil, Hiroshi apenas lhe diz com uma voz rouca e de aspecto frágil:

– Obrigado por ter vindo. Peço desculpas por quaisquer inconvenientes que tenham ocorrido pelo caminho, mas eu realmente precisava muito falar com você jovem mestre.

– Então desembucha logo velho, perde tempo não que eu tô de mau humor. Eu vim lá dos cafundós do Judas e tô aqui com a minha bunda cheia de calos, não me ofereceram nem um gole água ainda e você fica aí igual galinha tonta me rodeando sem falar nada.

– Está certo, está certo. Prometo que lhe farei o meu pedido sem rodeios então. Mas antes mesmo dessa hora chegar, eu preciso lhe contar uma história muito antiga, cujo entendimento dela é que vai abrir os seus olhos e mostrar a real importância do meu pedido.

Comicamente, Yusuke relaxa e deixa a cabeça pender toda para o ombro direito enquanto diz baixinho para si mesmo:

– Ô droga, eu digo pra ele falar sem rodeios e o coroa me vem querer contar histórias numa hora dessas. Tomara que não demore muito, pois eu já tô me sentindo mal. Será possível que ninguém mais aqui tá sentindo esse calor todo não?


O sábio Hiroshi, que permanece diante de Yusuke com seus olhos fixos, demonstra uma elegância enigmática ao estender sua enrugada mão, da qual emana uma iridescente cascata de esferas luminosas, dançando no ar como efêmeras e ondulantes bolhas de sabão. Dentro dessas esferas, um vislumbre de vida se desenrola, revelando na tapeçaria em movimento, um lampejo do passado a muito esquecido. Em seu interior, todos veem quando uma espécie de filme começa a ganhar vida, num fascinante flashback de imagens que transporta a todos para o passado. Para uma era já perdida ... a mais de mil anos atrás.

Suas palavras então descrevem o que se passa na narrativa visual:

– Escute meu jovem, preste bastante atenção a seguir, pois essa é a história da sua linhagem, a história da sua tribo: Há muito tempo atrás, o temido Toshin Raizen também fez parte do nosso clã. Ele era um valoroso guerreiro, talvez tenha sido o melhor entre todos nós a certa altura ... mas nem sempre foi assim.

– “O que quer dizer?” Questiona um curioso Yusuke, enquanto vê as palavras ganhando forma e movimento nas bolhas de energia que flutuam à sua frente. O velho Hiroshi então prossegue dizendo:

– Que ele começou sua vida por baixo. Na verdade, ele começou sendo um ninguém. Um órfão encontrado com frio e com fome em meio à relva, lutando para sobreviver desde sua tenra infância. Alguém que tempos depois, firmou fortes laços junto aos da sua tribo, de maneira que suprisse a ausência da família que lhe foi privada desde o nascimento.

– Então Raizen … não era um Mazoku?

– Era sim, de fato, mas infelizmente, um proscrito. Rejeitado ainda criança por alguém de fora, ou até mesmo, de dentro da nossa própria tribo. Quanto aos seus verdadeiros progenitores, eles permaneceram envoltos em mistério, deixando-nos com essa incerteza para sempre. Assim, ele se viu compelido a travar uma batalha árdua para conquistar o seu lugar ao sol. Eu mesmo ainda era muito jovem naquela época, mas me lembro muito bem de como ele se destacava em combate. Era um predador selvagem, tão implacável quanto as mais ferozes criaturas da natureza. Em especial, recordo-me da intensa rivalidade que existia entre ele e o mestre Suizen. Apesar da amizade que os unia, eram também formidáveis rivais, dignos de respeito e temor.

– “E este cara de pastel aí, quem é?” Pergunta Yusuke ao ver o rosto jovial de Suizen, um rapaz de cabelo espetado e esbranquiçado que usava uma faixa verde amarrada a cabeça e um quimono azul se formar em meio às lembranças e logo depois desaparecer.

– Suizen era o irmão mais velho de Daito, e herdeiro de direito do trono do nosso rei, o deus vivo: Houko.

Neste momento, um confuso Yusuke pende a cabeça tentando desviar o olhar e enxergar o senhor Hiroshi por trás das bolhas enquanto lhe diz:

– Pera lá, vai devagar aí senão eu misturo tudo e acabo não entendendo nada. Quem era esse tal de Houko afinal?

O ancião executa um gesto brusco, movendo suas mãos lateralmente, como se esculpisse a névoa que habitava o interior das esferas. Diante dos olhos de todos, surge a imagem de um outro Mazoku, um ser de avançada idade, carregando consigo uma aparência áspera e rude, liderando sua tribo em direção a uma batalha iminente. Apesar dos cabelos longos e da densa barba, bem como das marcantes insígnias tribais que adornavam seu corpo vigoroso, o que mais se destacava era o brilho austero e amarelo em seu olhar. O sábio Hiroshi prossegue, dando continuidade às suas palavras:

– Houko era um Toshin, talvez o primeiro Toshin. Ele era um ancião mesmo entre os Mazokus mais longevos. Foi o líder do nosso clã durante um período de tempo absurdamente longo, tão longo que para ser sincero, não é possível para mim sequer estimar. Ele era o guardião dos segredos de Hametsu.

– “Pela cara dele, me parece que ele era um cara bem severo.” Interrompe Yusuke, um tanto quanto surpreso com a sua aparência indelicada e aspecto agressivo em combate.

Mas Hiroshi mais uma vez transfigura as imagens para lhe mostrar um velho Houko mais bondoso, meditando nas ruínas e sendo muito querido entre os de seu povo. Ele então lhe diz:

– Não se engane. Ele realmente era um guerreiro assustador, mas foi muito mais do que isto também. Na maior parte da sua vida, ele utilizou o poder de Hametsu para cura e para levar prosperidade às criaturas deste mundo.

– Humm, entendi.

– Ele se destacava entre os membros do nosso clã como o único capaz de penetrar nas sombrias ruínas de Hametsu, onde se unia aos espíritos ancestrais que lá residiam. Em suas mãos parecia repousar uma faísca ardente da chama primordial, e ele realizava verdadeiros prodígios com ela. Embora possa ser difícil de imaginar nos dias atuais, outrora aquele recinto obscuro exibia uma beleza arrebatadora, cujo esplendor ultrapassava os limites do horizonte. Era, sem dúvida, um autêntico paraíso.

– A Darla já nos falou um pouco sobre isso. E realmente, não dá para acreditar vendo todas aquelas criaturas abissais.

– Essa é uma das coisas mais importantes que eu preciso que você entenda. Proteger a fonte desta força vital e ancestral, por muito tempo, foi a razão da nossa existência. Era este o único propósito do nosso clã.

– Tá, mas e aí, o que foi que aconteceu então?

Desta vez, com apenas um estalar de dedos, Hiroshi faz com que a imagem na bolha de energia mude, apresentando um outro jovem youkai que possui pequenas presas em sua mandíbula inferior, de cabelo ouriçado e portando óculos redondos, que lhe davam um ar de esperteza. As despojadas roupas trajadas pelo youkai, cobriam-lhe um peito, enquanto deixava o outro à mostra, quase como o traje de um monge budista.

Vendo que Yusuke se atentava a face daquele youkai, com olhar bastante analítico e sentindo certo reconhecimento, Hiroshi prossegue o que dizia:

– Ah, vejo que o infortúnio que nos acometeu teve seu início com a chegada desse misterioso ser, o youkai chamado Yanmo. Embora não fosse um Mazoku como o nobre Raizen, ele foi acolhido de braços abertos por nosso clã. Contudo, lamentavelmente, a presença dele em nosso meio revelou-se um erro de proporções catastróficas. Por décadas a fio, Yanmo insidiosamente influenciou Suizen, servindo-se de uma falsa camaradagem como disfarce para induzi-lo com seus planos de conquista. O jovem forasteiro, perspicaz e inquieto, almejava trazer profundas transformações ao mundo, mudanças que, por sua vez, ceifariam a paz que desfrutávamos. Ele nutria uma fé inabalável de que, uma vez coroado rei, Suizen moldaria tudo segundo suas aspirações, acreditando que, de alguma maneira, ele também teria o controle, pois vivia como uma sombra do nosso futuro líder, exercendo sobre ele uma influência avassaladora. No entanto, os acontecimentos que se desenrolaram a seguir foram muito além do que ele ousara imaginar.

– “Agora que já começou, me conta logo, vai.” Replica Yusuke, cada vez mais curioso.

Fazendo com que várias daquelas pequenas bolhas se juntassem no ar, Hiroshi forma uma grande esfera onde todos podem ver em seu interior os próximos atos de sua narrativa:

– Muito próximo do findar de seus anos, quando o mestre Houko sentiu o peso da idade e resolveu escolher seu sucessor, ele optou pelo melhor entre todos os guerreiros, tornando Raizen o nosso novo rei para desgosto de seus próprios filhos, gerando ainda, uma imensa perplexidade em todo o nosso clã, visto que ele não era alguém de sua linhagem. Com grande amargura, Daito engoliu o seu orgulho e acatou a sua sina, mas o mesmo não aconteceu com Suizen, que revoltado, procurou seu pai junto com Yanmo exigindo maiores explicações.

Neste momento, Yusuke fita a esfera de energia que mostrava as imagens do passado, primeiramente vendo Suizen esbravejar com seu pai e em seguida ele ouve o momento em que um desapontado Houko diz a seu filho:

– Você não entende, não sabe o que ele é. Você não foi agraciado com o dom, mas ele sim. Raizen é um Toshin, assim como eu!

Juntando os pontos, Yusuke tenta alinhar seus pensamentos dizendo:
– Então, nenhum dos filhos de Houko nasceu com o tal estigma?!

– Isso mesmo. Contudo, Raizen sim. Mas o que Houko e ninguém mais sabia até aquele momento, é que este poder poderia ser tomado. Com o coração repleto de revolta e sendo consumido por tudo aquilo que Yanmo vinha lhe dizendo sobre se tornar o novo rei e mudar as coisas por ali, Suizen fez o impensável: Ele pegou seu próprio pai desprevenido e o matou à sangue frio, tomando para si o estigma que ele carregava.

Em meio aos murmúrios dos que estão à sua volta, as imagens na esfera mudam novamente quando Hiroshi dá continuidade ao que dizia:

– Aquele terrível acontecimento abalou a todos em nosso clã, pegando-nos de surpresa como uma tempestade súbita. Perseguidos implacavelmente por Daito e Raizen, Suizen e Yanmo empreenderam uma jornada rumo à fonte de um poder oculto, guardado em sigilo por Hametsu, com o propósito avassalador de se apropriarem de tudo o que lá existia. No entanto, a ilusão que Yanmo nutria desmoronou rapidamente quando percebeu sua própria tolice ao pensar que esse poder também poderia ser seu. Pois, naquele reino de sombras espectrais, apenas um verdadeiro Toshin teria uma ínfima possibilidade de atravessá-lo. Assim, despedaçado pelo turbilhão colossal que o envolveu, Yanmo foi tragado pela insanidade e vomitado de volta ao mundo exterior em trapos e farrapos de seu ser. Abandonado e deixado para trás, enquanto Suizen, cego pelo poder, seguiu adiante, solitário em sua empreitada.

Vendo nas imagens Yanmo agonizar nas ruínas, Yusuke pergunta:
– Espera um pouco aí, ele ainda estava vivo mesmo depois de tudo aquilo?

– Estava sim. Pelo menos até ter sido encontrado por Daito e Raizen, que também tentaram adentrar na escuridão; a qual apenas Raizen obteve sucesso em atravessá-la. Quando, fraquejando, Daito também retornou das sombras, Yanmo já não estava mais lá. Havia desaparecido sem deixar rastros. Ele pode ter sobrevivido, ou até mesmo, ter sido tragado pelas sombras de Hametsu.

Observando com atenção as esferas flutuantes, Yusuke percebe que onde deveriam haver novas imagens, agora ficou tudo enfumaçado. E ansioso por saber mais ele o questiona:

– Ei, e o que mais aconteceu velhote, por que ficou tudo escuro de repente?

– A partir desse ponto, o que nos resta são apenas fragmentos nebulosos do ocorrido, envolvidos em um véu de mistério. O embate titânico entre Raizen e Suizen, travado nas profundezas sombrias, desafia todos os registros e precedentes da história deste mundo. A magnitude desse conflito épico tornou-se cristalina quando uma torrente imensa de energia irrompeu daquelas entranhas, fluindo em um curso ininterrupto que transformou toda a vegetação em seu caminho em cinzas desoladas, ceifando impiedosamente a vida de cada criatura vivente que ousara habitar aquelas terras. A carnificina era avassaladora, uma triste energia ecoando pelos milhões de quilômetros varridos pela destruição implacável.

Vendo seus olhos serem tomados pelo clarão, Yusuke estremece e questiona:
– O que diabos foi isso? De onde veio tanto poder?

Ao que Hiroshi prossegue:

– Naquele dia, mesmo entre nós, os poderosos Mazokus, houve grandes perdas. Apenas um punhado de nós sobreviveu, aqueles que realmente eram considerados os mais fortes. E com isso, toda essa região do Makai foi envolta em escuridão para sempre. Levou muito tempo até a vida retornar a este lugar. Em sua maioria, seres dimensionais que mais pareciam ter saído de algum pesadelo. Levou muito tempo, até o primeiro Mazoku pós cataclismo nascer.

Vendo os sinais de devastação através das esferas, Yusuke não se contem ao dizer:

– Quanto mais histórias eu ouço, mais me surpreendo com aquele desgraçado do Raizen. Diga-me, como foi possível, como afinal Raizen sobreviveu a isso se estava bem no olho do furacão?

– Inexplicavelmente, sobreviveu. Emergiu vitorioso daquele campo de batalha onde a própria vida parecia tênue e incerta. Apesar de gravemente ferido, sua determinação o sustentou, e ele emergiu das ruínas cambaleando, a cada passo, carregando o peso de sua própria tormenta. Raizen, em seguida, selou as portas que tão tenebrosamente se erguiam, utilizando magia e o seu próprio sangue como oferenda para que elas jamais se abrissem novamente. Contudo, esse nobre gesto acabou por se converter no maior erro de toda a sua vida. Pois, diante da irreparável devastação que se estendia além dos limites de nosso domínio, fomos ainda privados do propósito de nossa existência. Sem a graça advinda de Hametsu, a nossa tribo estava fadada ao fim. E por esta razão, Raizen enfrentou a revolta de seu próprio povo. Embora ainda houvessem alguns poucos fiéis que ansiavam por vê-lo assumir o trono, a maioria avassaladora o rotulou como um traidor impiedoso.

– “Ora essa, agora eu não entendi. O que diabos eles tinham na cabeça?” Questiona Yusuke.

– Entenda, estavam todos muito abalados com o assassinato do velho Houko e com as incertezas que nos reservavam o futuro. Alguns até desconfiaram do ocorrido, citando a eterna disputa de Raizen com o príncipe Suizen como a verdadeira causa de toda aquela situação. Por fim, Raizen decidiu partir para nunca mais voltar e naquele mesmo dia, o jovem Daito tomou seu lugar como nosso novo líder.

Comicamente, ao vê-lo como rei, Yusuke não se contem e solta a frase:
– Ah não, joga pedra nesse aí que é doido.

Ao que Hiroshi continua o que dizia:

– Pelos séculos que se seguiram, Daito foi um rei obcecado e negligente. Tentou inúmeras vezes reabrir Hametsu para reaver o poder perdido para si. Mas foi sobretudo impossível, mediante todas as maneiras. Ele então tentou convencer Raizen a voltar e até mesmo, chegou a enfrentá-lo algumas vezes, visto que estava se tornando cada vez mais forte com o passar do tempo. Mas Raizen também foi se tornando mais forte, muito mais forte. Provavelmente ele fez isso justamente para garantir que aquele poder jamais caísse em suas mãos. Raizen à princípio vagou por anos nesta região desprovida de vida até chegar às camadas superiores do Makai, onde para nossa surpresa, um milênio depois de ter partido, se firmou como rei. Renegado entre os Mazokus, reinou entre as criaturas inferiores da superfície deste mundo.

– Tá, tá, tá. Mas não começa a ir por esse lado não ou você vai acabar falando mal dos meus amigos carequinhas e eu vou acabar tendo que te dar umas bifas pois eu os conheço muito bem, e são todos gente muita boa.

– Que seja. O resto da história você já conhece. Ali mesmo, no oposto extremo deste mundo, Raizen encontrou seu fim, o que para nós também indicava o findar de toda a esperança. E apesar de termos sobrevivido aqui durante eras, sem ter um propósito, boa parte dos que restaram da nossa tribo se espalhou e ela praticamente se desfez. As coisas só voltaram a se agitar novamente quando um mensageiro nos trouxe a notícia sobre a sua existência.

– É isso, para nessa imagem aí meu consagrado! Me diz agora, quem foi esse língua grande de tamanduá que trouxe a notícia? Ou melhor, ele era mensageiro de quem?

– Bem, isto eu sinceramente não sei. Pois apenas o rei Daito foi quem leu aquela carta. Mas a notícia em si alvoroçou a todos, e por consequência dividiu a nossa tribo. Daito desejava o poder para si, e isto o atraiu ao mundo dos humanos. Mas ele não podia apenas te matar e se tornar o novo Toshin. Ele também precisava do que corre em suas veias ainda quente para reabrir aquelas portas seladas a milênios por Raizen com sangue e magia. Nós discordarmos totalmente do seu curso de ações. Enquanto o grupo liderado por Uragami por sua vez, acreditava cegamente nas antigas lendas baseadas em sussurros advindos da escuridão que diziam que Suizen ainda pode estar vivo e aprisionado naquele lugar. Eles farão o que for necessário para atrair você e libertar aquela abominação. Quanto a nós ...

– É, me diz aí. E quanto a vocês? O que querem de mim afinal? Desembucha.

Mudando totalmente de postura, Yusuke repentinamente se mostra irritado e preocupado com as próximas palavras do velho. Deveras, esperando pelo pior, ele cerra o punho com força e se prepara para o que virá a seguir. Mas quebrando sua expectativa, Urameshi acaba tendo uma grande surpresa quando Hiroshi apenas lhe diz:

– Bem, após toda essa história chegamos ao ponto em que eu lhe faço o meu maior e humilde pedido. E como eu lhe prometi, isto seria sem rodeios.

Consigo mesmo, Yusuke pensa que se houvessem mais rodeios do que isto, ele já teria uma boiada. Ao que o velho Hiroshi finalmente conclui sua linha de raciocínio dizendo:

– Nós queremos que você se torne o nosso novo rei.

Durante alguns longos segundos em que todos da tribo se mantém ansiosos e em silêncio, o grupo que acompanhava Yusuke se mostra perplexo. Ninguém podia nem mesmo imaginar qual seria a sua resposta ou reação, sendo o Yusuke tão imprevisível quanto ele normalmente é. Até que uma inesperada e estridente gargalhada toma conta de todo o lugar.

Yusuke não acreditava que eles haviam te pedido justamente isso e comicamente, quase morre ao tentar falar enquanto mal consegue segurar suas fortes gargalhadas:

– kkkkkkkkkkkk, tá de brincadeira comigo não é meu senhor?! Vocês realmente devem estar muito desesperados para me pedirem um negócio destes. Olha só, não me levem a mal, mas não há a menor possibilidade disto acontecer, tá me ouvindo? Nunca, never, jamé. Isso não vai rolar.

Uma sensação desconcertante de desapontamento toma conta de todos os mazokus presentes. Sensação terrível esta que é intensificada pela humilhante gargalhada sem noção de Yusuke. Ele não havia sequer considerado o sentimento de todos os que ali estavam. Apenas ria, como se pedido deles não fosse nada.

Após o que disse, com Yusuke ainda se afogando em gargalhadas, poucos percebem o momento em que ele sofre uma repentina mudança em sua expressão facial até que chega ao ponto de desmaiar, caindo ali mesmo em meio a todos que o cercavam e que testemunhavam seu ridículo espetáculo.

Kurama corre para ampará-lo e preocupado, questiona aos demais:
– O que aconteceu? Alguém viu alguma coisa?

Ao que irritada com o escândalo anterior de Yusuke, Darla friamente lhe diz:

– Olhe para ele, não está vendo? São os efeitos do estigma novamente. Está agonizando, mas sem aquela mesma força que demonstrou outrora. Eu avisei que isto iria matá-lo. E quer saber, tomara que morra mesmo depois de tudo o que ele disse.

Indignado com suas palavras diante daquela lamentável cena, o velho Hiroshi intervém dizendo:

–Não, tragam-no para minha tenda. Nós vamos ajudá-lo.

Mas a inesperada postura do ancião causa grande estranheza em Darla que lhe diz:
– Mas mestre Hiroshi, ele acabou de zombar de todos nós! Nos humilhou!

– Não importa. Se o deixarmos assim ele morrerá aqui e agora. E não quero ter que lamentar esta grande perda no futuro. Tragam-no a minha tenda com urgência.

Mostrando certa nobreza, Hiroshi os conduz até sua ampla casa, onde se prestará a socorrer Yusuke, sendo acompanhado por todos os outros que abrem passagem em meio à multidão. Neste ponto, já não dava mais para saber nem mesmo o que poderia acontecer, ou que outros segredos a tribo Mazoku ainda lhes estavam omitindo.

A milhões de quilômetros dali, noutro plano de existência, vemos Kuwabara meditando para finalmente chegar ao ápice de seu treinamento. Ele está em perfeita sintonia agora, em estado de concentração total, manifestando poderosamente as suas energias, enquanto domina o poder avassalador do Seikouki.

Porém, alheio a tudo o que acontece ao seu redor, Kazuma se conecta com a dor sentida por Yusuke a tão longas distâncias no Makai, e também é afetado por ela. De algum modo, ele sabe o que está acontecendo, sabe que Yusuke está morrendo e com tudo isso, não percebe o imenso e aterrorizante estrago que simultaneamente começa a causar no ambiente ao seu redor.

Genkai pede várias vezes para ele se controlar, mas para Kazuma, sua voz parece cada vez mais abafada, e num estado de torpor, ele leva bastante tempo para acordar para a realidade e finalmente conseguir ouvi-la gritar.

Apenas quando entende o significado de suas palavras é que Kuwabara volta a si:

– Veja o que está fazendo Kuwabara! Se controla garoto! É PODER DEMAIS! Não percebe que as suas forças estão estremecendo todo o Reikai!

Chocado, Kazuma finalmente acorda e para de manifestar suas energias de repente. Ele sente o peso das mãos de Genkai em seus ombros e perplexo consigo mesmo, apenas olha com espanto ao seu redor, onde tudo parece que foi sacudido por um grande sismo.

Tentando retirar a responsabilidade de si, comicamente ele diz:
– Ihhhh, não vem botar a culpa em mim não. Terremotos são muito frequentes no Japão.

Fim do episódio.
Eu não conheci o outro mundo por querer!

Eu sei que meu coração, agora dói ...

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