sexta-feira, 26 de maio de 2023

20 - ETERNAMENTE YU YU HAKUSHO

EPS – 20 CIRCUNSTÂNCIAS EXTREMAS

No obscuro firmamento do mundo das trevas, outrora tão límpido, eis que se erguem densas e carregadas nuvens que se deslocam ao sopro gélido do vento. Sendo ainda entrecortadas pelo clarão de relâmpagos diversos que agem como prenúncio iminente da aproximação de mais uma sombria tempestade através dos sons de seus sibilantes trovões.

No interior de uma imensa tenda de couro, tão ampla quanto o átrio de um templo, sustentada por pilares esculpidos em grandes e imponentes ossos e adornada por uma exuberante tapeçaria confeccionada primordialmente com peles de animais, o nosso herói, Yusuke Urameshi, finalmente desperta após o longo sono que o acometeu subitamente quando desfaleceu diante de todos.

Ainda trêmulo e suando abundantemente, ele se sente desorientado e tonto, porém, determinado a se levantar. Inicia então uma ascensão abrupta, esforçando-se para encontrar familiaridade no ambiente circundante, a fim de se situar. Mas acaba caindo.

Vendo a cena, o velho Hiroshi o ampara e lhe diz serenamente e com calma:
– Não se levante meu jovem. Você ainda está muito enfraquecido.

Ao que gaguejando enquanto tenta abrir seus olhos, Urameshi lhe pergunta:
 Hi … Hiroshi? O quê ... o que aconteceu? Por quanto tempo eu dormi?

– Você apenas perdeu a consciência enquanto conversávamos, contudo, ficou desacordado por dois longos dias.

– Dois dias?! Mas que droga! É este maldito lugar, está mexendo comigo desde que atravessamos o portal. O miasma aqui é ainda mais denso do que nas camadas superiores. Só pode ser isso.

 Não, o miasma não afeta a youkais, isto é efeito do estigma dos reis, é ele quem lentamente te consome e o está matando. Eu sinto muito em ter que lhe dizer isso, mas você está muito próximo do fim. Precisa controlar este desenfreado poder agora enquanto ainda há tempo, ou ele irá consumir você. No estado em que te encontras, nem mesmo sei se haverá um amanhã. Permita-me ajudá-lo filho de Raizen. Eu posso educá-lo no controle desta força, ser o seu guia.

Conhecendo a si mesmo e compreendendo a gravidade da situação e seu estado lamentável, Urameshi respirou fundo e soltou um suspiro lento, finalmente decidindo aceitar a ajuda oferecida. Sua concordância foi confirmada por um discreto aceno de cabeça.

A partir desse momento, não se passou muito tempo até que os preparativos para uma sessão de meditação guiada fossem realizados. Yusuke primeiro tomou um banho e reapareceu vestindo novas roupas, mais especificamente um quimono para a prática de artes marciais, semelhante ao que ele usou durante o torneio pelo trono do Makai.

Com tudo devidamente organizado e preparado, eles se encontraram no interior do salão, onde Kurama já o aguardava para desejar-lhe boa sorte. Eles não chegam a trocar maiores palavras, pois logo Yusuke se senta no chão, tendo a sua frente o velho Hiroshi, que não perde tempo e concentra fortemente as suas energias nas pontas dos seus dedos. Em seguida, lhe toca o peito, compartilhando com Urameshi a sua própria força vital.

Dali em diante, um intenso treinamento envolto em inabalável meditação estava para começar.

Lá fora, após algumas horas caminhando pelas ruas do vilarejo, Mukuro e Hiei ficam incomodados com os olhares desconfiados daqueles que os julgavam constantemente mesmo sem conhecê-los, visto que frustrando todas as suas expectativas, Yusuke havia deixado uma verdadeira má impressão.

Dito isto, a tribo Mazoku não lhes estava sendo muito receptiva naquele momento, a não ser por um ou outro Youkai que descaradamente lhes sorria, mas que logo distorcia completamente suas suas expressões faciais, deixando transparecer todo o seu descontentamento e desagrado, causando desconforto.

Apenas algumas poucas crianças que os observavam passar pareciam agir de maneira natural e sincera, acenando para eles ou oferecendo-lhes brinquedos. No entanto, até mesmo esses pequenos gestos eram suprimidos por seus preocupados progenitores.

Expressando sua total insatisfação e escárnio, Hiei chega a dizer:
– Tss, que lugar desprezível.

Mas permanecendo calma, controlada e serena, Mukuro tenta apaziguar a situação:

– Eu já estou acostumada com esse tipo de recepção hostil. Sempre há alguém me olhando com preconceito e desconfiança. Foi assim durante toda a minha vida e em pelo menos metade dos lugares pelos quais já passei. Não deixe que isso te abale. Estamos aqui em busca de respostas e possíveis alianças para a iminente batalha, mesmo que signifique enfrentar olhares inapropriados e maliciosos.

– Eu não ligo para esses idiotas. Mas é melhor eles pararem de me encarar desse jeito.

Mukuro percebe que a cicatriz em seu rosto e o olho esbranquiçado de Hiei ainda lhe causavam certo incomodo, então, mudando de assunto, Mukuro lhe diz:

– Há algo que eu gostaria de te mostrar, um presente que me foi dado pelo ferreiro Mazoku chamado Tsujimura.

Mukuro, então, levanta seu braço direito e revela uma nova e sofisticada prótese mecânica feita de um metal completamente negro e reluzente. Em seguida, ela flexiona os dedos da prótese com facilidade, e desfere alguns golpes rápidos, demonstrando um controle perfeito sobre ela.

Hiei, a princípio, olha para a prótese com interesse, mas seus olhos logo se estreitam comicamente quando ele percebe as intenções de Tsujimura que estão por trás deste presente e lhe diz:

– Esse youkai quer apenas flertar com você.

Mukuro sorri discretamente, apreciando a seu modo o discreto ciúme de Hiei e lhe diz:
– Apesar de suas intenções serem indesejadas, o que ele me ofereceu será muito útil.

Neste momento, eles são interrompidos por Tsujimura, o youkai da tribo Mazoku com quem haviam se encontrado anteriormente e do qual estavam falando. Ele se aproxima com um sorriso no rosto, olhando para Mukuro de forma simpática e descaradamente interesseira, lhe diz:

– Vejo que você está usando a prótese mecânica que lhe ofereci. Ela estava guardada há tempos e fiz apenas alguns ajustes, mas tenho certeza de que ela vai melhorar consideravelmente as suas habilidades de combate. Pois este sofisticado braço mecânico foi feito de um material raramente encontrado no mundo das trevas: Uma liga de Iridium com aço negro, semelhante ao utilizado na armadura de nosso antigo rei, Daito. É sem dúvida alguma, uma verdadeira obra-prima. Assim como você ...

Hiei observa sua atrevida abordagem e com certa desconfiança, lança um olhar de desdém para o braço mecânico, depois sorri e de forma nada contida diz grosseiramente a Tsujimura:

– Humff, que piada. Ela não precisa de uma prótese mequetrefe como essa para mostrar sua verdadeira força. Por acaso não sabe quem ela é? Essa é Mukuro.

Irritado, o mestre ferreiro o encara e replica:
– Hã? O que foi que você disse sobre o meu belíssimo trabalho?

Interrompendo a discussão, Mukuro toma a palavra dizendo:

– Agradeço sua generosidade, Tsujimura, mas não tenho interesse em seus avanços. Espero que compreenda claramente meus limites. Aceitei seu presente de bom grado, mas minhas habilidades não dependem realmente disso. Sinto-me completa do jeito que sou.

Ouvindo isso, Hiei disfarça, mas olha para Mukuro com certa admiração. Como era possível aquela mulher ser tão forte, tanto física quanto emocionalmente, apesar de tudo o que já viveu? Não era de se admirar que no passado, muitos foram tocados pela grandeza que ela inspira e a seguiram.

Tsujimura pareceu um pouco descontente com a rejeição, mas rapidamente esboçou um sorriso amarelo e se afastou ao perceber que seu flerte não tinha eco em Mukuro. Por fim, ele apenas lhe disse antes de sair:

– Só … faça bom uso dela. A última pessoa que a utilizou, já não está mais neste mundo. E ela significava muito para mim.
Novamente sozinhos e sentindo os olhares desconcertantes, Hiei tenta mudar o foco da conversa ao dizer:

– Por quanto tempo ainda teremos que ficar aqui?
– Pelo visto, não muito. Veja aquilo.

Mukuro, então, aponta para uma coluna de luz que emerge da tenda de Hiroshi, elevando-se abruptamente até o céu, e ultrapassando inclusive, a altura das nuvens. Uma energia dourada e intensa, tão poderosa que seria extremamente difícil de ser controlada até mesmo por ela.

Após presenciarem isso, eles correm e se aproximam da entrada da tenda onde está Urameshi, mas se deparam com Darla recostada na soleira da porta, montando guarda e já à sua espera.

Hiei então lhe questiona:
 O Yusuke finalmente acordou?

Ao que ela responde:

– Sim, mas seu tempo é curto. Ele agora está tentando controlar aquela energia.
– E o que devemos fazer agora? Pergunta Mukuro.

Ao que Kurama, saindo do interior do recinto apenas lhe diz:
– Agora esperamos. E torcemos para que tudo dê certo.

Mas no interior da câmara, as coisas não iam se dando nada bem. Sentados frente a frente na posição de lótus, enquanto um gigantesco pilar de luz dourada se ergue a partir dos corpos de Yusuke e de Hiroshi, se estendendo até o nebuloso céu, testemunhamos o jovem agonizar e tremer diante do intenso fluxo de energia com o qual está lidando.

Naquele momento, Yusuke experimenta dores e uma agonia terrível, de tal maneira que não vivenciava desde que sua velha mestra Genkai transmitiu-lhe a suprema doutrina anos atrás. Toda aquela força parecia sobrecarregá-lo, era demais para ele, e sobre a sua pele, Urameshi manifesta involuntariamente as marcas tribais que já apresentou noutras ocasiões.

Em breves lampejos, quando os picos de energia atingem níveis impressionantes e estão altamente elevados, a sala passa a ficar toda eletrificada, e vemos algo novo e surpreendente acontecer: Mesmo que apenas por alguns segundos, Yusuke domina toda aquela força monstruosa que o estava consumindo e ele sofre uma nova transformação!

Suas vestes e os seus cabelos se tornam completamente brancos, respectivamente, com sutis tons de azul e prateado, e seu semblante torna-se verdadeiramente aterrador. Seus olhos, agora amarelos, são circundados por uma esclerótica negra, e uma inscrição idêntica àquela que marcava o rosto de Raizen, surge em sua face esquerda. Uma inscrição que na antiga língua Mazoku significa: "Toshin".

Naquele momento, Yusuke é aterrorizado por diversas visões do que há no abismo. Em sua mente, ele vê passarem muito rapidamente, as vastas paisagens que o separam das ruínas que circundam a entrada de Hametsu. Ali, agora sozinho e de costas, vemos Uragami notar a presença de algo que passa atrás de si. Ele chega a olhar diretamente para Yusuke, mas nada vê à sua frente. Fica preso apenas à estranha sensação de que havia uma presença naquele local.

Em seguida, sua consciência novamente navega e desliza, adentrando naquela terrível escuridão, até que de repente, ele se vê diante da estranha presença de algo que está oculto nas sombras, alguém que está aprisionado ali dentro a séculos. Este youkai, sentado em um trono desgastado de pedra, apenas lhe sorri de maneira macabra, como se já o estivesse esperando.

E em êxtase ao vê-lo conseguindo lidar com aquela força lhe diz:
 Agora não, mas muito em breve eu o verei.

Pouco depois, Yusuke é arrastado novamente para longe e imerge em visões que transcendem qualquer coisa que ele já tenha presenciado até agora. Entre as brumas, a figura de um decadente castelo em ruínas, repleto de caveiras e formas distorcidas se ergue. E onde aquela abominação arquitetônica toma forma, um simplório velhinho com inúmeras marcas tribais em seu corpo apenas o observa passar com curiosidade enquanto mantém suas mãos voltadas para trás, apoiando-as em suas costas.

Mas, arrastado de volta à realidade, percebemos que infelizmente para Yusuke, era impossível naquele momento lidar com tanto poder. Em extrema agonia, ele grita e finalmente fraqueja, passando a lutar desesperadamente para não ser destruído por ela.

O mestre Hiroshi também se esforça, tentando ajudar a conter aquela força, liberando-a gradualmente, enquanto incentiva Yusuke a não desistir. No entanto, já era tarde demais, Urameshi estava muito longe de conseguir dominar completamente aquela força imensurável. E num único segundo, então, abruptamente todo aquele poder imenso simplesmente desaparece, se dissipa e se dispersa pela vila como se fosse uma poderosa rajada de vento ou uma estridente onda de som.

Completamente exausto agora, Yusuke desfaz a transformação, volta ao seu estado normal e cai de joelhos no chão, onde reúne as poucas forças que ainda possui para dizer:

 Não dá, eu não consigo. Eu desisto velho. Ou vou morrer se continuar tentando.
 Não, isto só vai acontecer se você deixar de tentar. Vamos novamente.

Hiroshi tenta apoiar a mão sobre seu ombro, num gesto de apoio, mas com um olhar enfurecido, Yusuke o empurra e lhe diz com furor:

 Não está entendendo velho caduco? Já acabou, droga! Eu não aguento mais!

Urameshi apoia suas duas mãos contra o chão, e de cabeça baixa, soa como se tivesse entregado os pontos e desistido da vida. Parecia até que ele iria chorar. 

É neste momento que o velho Hiroshi parece entender que ele havia chegado ao seu limite, e que não tinha mais nada a ser feito. Yusuke não seria capaz de dominar aquela força e sua tribo jamais tornaria a viver naquele glorioso paraíso que existiu outrora.


Com os pensamentos a mil neste momento, Hiroshi o observa de cima pra baixo e sendo hesitante, toma uma grave decisão. Ele, então, lhe diz de maneira totalmente atípica, como se revelasse um segredo que deveria ser mantido escondido:

 Existe um jeito ... de “expurgar” essa coisa de dentro de você.
 O quê!?

Como se recuperasse toda a sua esperança, Yusuke se vira bruscamente em sua direção e enquanto se levanta, o questiona:

– O que foi que você disse? Como assim velho, do que você está falando?

 Há uma maneira de extrair o estigma. De tirá-lo de dentro de você definitivamente. Contudo, é algo arriscado demais e eu sinceramente não posso garantir a sua segurança.

Urameshi o agarra com força pelas vestes que lhe cobrem o peito e exclama:

 Corta essa velho, com esta coisa dentro de mim eu já estou com os dias contados. Se é a minha vida que tá em jogo, quem decide sou eu, e eu quero tentar. Quero isto fora do meu corpo pra ontem, tá me entendendo? E então, o que está esperando?

 Eu ... eu não sei se devo. Como eu lhe disse, é muito arriscado para você, mas também, será arriscado para mim. Eu estou velho demais, talvez se eu fosse forte como a jovem Darla. Quem sabe ela até possa nos ajudar. Mas não sei nem mesmo se ela será capaz de fazer isso Além disso, há mais uma coisa ...

 Que coisa?! Desembucha tudo logo velho.

Pressionado por Yusuke, o mestre Hiroshi parece esconder algo importante e tenta contornar a situação dizendo apenas que:

 Um pequeno erro e nós faremos com que esta força desapareça para sempre.

Finalmente entendendo os sentimentos de Hiroshi, Yusuke muda completamente de postura e lhe solta a gola das roupas. Logo em seguida, ele lhe diz com calma e pausadamente:

 Olha velho, me desculpa por tê-lo decepcionado. Por ter decepcionado a todos. Eu sei que você contava comigo para reabrir Hametsu e devolver o propósito do seu clã. Mas infelizmente eu não posso ficar por aqui. O Makai não é o meu lugar. Primeiro que eu não ia ser um bom rei, vai por mim. E outra que tem alguém lá em casa me esperando. Uma pessoa a quem eu verdadeiramente não posso mais decepcionar. Faz tempo que vocês estão por aqui, na escuridão, remoendo o seu passado e tentando trazer de volta o paraíso que existia antes. Mas olha só, acho que chegou a hora de sacudir a poeira e se mudar, é hora de deixar tudo para trás e seguir em frente ... buscar novos ares.

 Não, não é tão fácil assim para nós. Estamos enraizados neste lugar a séculos.
 Para com isso vovô, não seja eternamente refém do seu passado.

Com um olhar abatido, Hiroshi entende que Yusuke tem seus próprios motivos para recusar sua proposta, mas mostrando-se bastante apreensivo e desanimado, ele esfrega sua mão direita contra a própria testa com preocupação. Ponderando se ele deve fazer o que precisa ser feito, mesmo que isto desonre sua boa índole. O que deixa claro que ele está escondendo alguma coisa.

E como se carregasse o peso do mundo em suas costas, toma uma difícil decisão:

 Tudo bem. Se não há outra maneira, vamos lá, vamos extrair esta coisa de dentro de você. Só me dê um tempo para pensar. Vá dar uma volta enquanto eu faço os preparativos.

Yusuke sai todo feliz, deixando um abatido Hiroshi para trás. Que perdido em seus próprios pensamentos, não consegue dar sequer um único passo à frente mesmo após ele deixar o recinto. Nem mesmo o perspicaz Yusuke fora capaz de perceber que havia algo muito errado ali.

Lá fora, Urameshi se encontra com Kurama, Hiei e Mukuro e nota que apenas Darla já não estava mais entre eles. Com alegria, Kurama o recebe dizendo:

 Seja bem vindo de volta ao mundo dos vivos Yusuke. Você nos deixou preocupados. E então, se sente melhor agora? Como foi lá dentro? Por um momento pensamos que você tinha partido desta pra melhor.

 Ah, oi Kurama. Para ser sincero, eu não tive sucesso em dominar aquela força e essa história ainda não acabou. Apesar de a minha energia neste momento estar em um nível altíssimo, ela também está para me partir ao meio. Eu estou sentindo como se a minha pele fosse se rasgar de dentro pra fora a qualquer momento.

Agora preocupado, Kurama lhe pergunta:
 Então, não funcionou. O que você vai fazer?

 Eu sei lá, caminhar um pouco, arejar a cabeça. O velhinho me disse que ainda tem um jeito dele me ajudar. Mas que vai levar algum tempo para ele preparar tudo.

Mais aliviado agora, o grupo então se distrai com um forte ronco advindo do estômago de Yusuke. Que sem cerimônia alguma, lhes pergunta:

 Vocês não têm nada para comer aí não hein? Tô numa fome dos diabos.

Esboçando um leve sorriso, Kurama abre uma pequena pochete que estava oculta pelas suas roupas e retira dali algumas pequenas sementes que carregava consigo. Na palma da sua mão ele as energiza com a sua youki e as lança rapidamente contra o solo. Não leva mais do que um minuto para que elas germinem e cresçam, ramificando-se em arbustos de espessa folhagem e dando frutos de uma aparência exótica, muito parecidas com as berinjelas.

– Pode comer. É o que Kurama lhe diz em seguida.

Yusuke inicialmente mostra desconfiança, mas depois, põe-se a devorá-las uma após a outra de maneira voraz, como se não comece nada há muito tempo. Tudo o que ele levava à boca antes, tinha um sabor desagradável, mas estas frutas pareciam deliciosas. Kurama, em seguida, retira uma delas e entrega nas mãos de Hiei, que desconsertadamente, prova o sabor daquele fruto estranho e peculiar e descobre que é indubitavelmente saboroso.

Yusuke também oferece o mesmo fruto para Mukuro, que o recusa dizendo:
 Não, o meu estômago não aceita outra coisa senão seres humanos.

E, neste momento, Urameshi para de repente, como se sofresse de uma catastrófica epifania. Até então, não havia lhe passado pela cabeça que poderia ter se esquecido de algo assim tão importante. E no mesmo instante, uma grande revolta começa a tomar conta do seu coração, e olha que não estou a falar do núcleo maligno que o substituiu.

Dominado por suas emoções, ele passa a correr feito um louco por toda a vila, abrindo portas bruscamente e invadindo tendas, o que deveras assusta diversos moradores.

Sem entender ao certo o que estava acontecendo, o grupo o acompanha, com Kurama perguntando constantemente a ele o que afinal estava acontecendo, mas sem obter nenhuma clara resposta. Até que Yusuke se cansa do que estava fazendo e, ao avistar Darla, a segura pelo colarinho de suas roupas com apenas uma mão, e ameaçadoramente lhe pergunta:

 Cadê eles? Responda maldita! Onde estão os seres humanos?

Confusa, sem se abalar e sem dizer uma única palavra, Darla apenas lhe aponta a direção certa a seguir. Ao que Yusuke larga ela ali mesmo e corre em direção a uma espécie de curral onde ao seu lado, há um imenso galpão feito de madeira.

Em absoluto, nada poderia tê-lo preparado na vida para o que viria a seguir. Ao abrir aquelas portas, quando a luz exterior iluminou o que havia lá dentro, o choque só não lhe foi maior que a necessidade de cair em prantos. Porém, paralisado pela cena, Yusuke só foi capaz apenas de despejar uma única lágrima antes de deixar o ódio lhe possuir.

Na parte interna daquilo que só pode ser descrito como um estábulo, diversas criaturas humanoides fugiam aterrorizadas e em pânico. Seus corpos, cheios de deformidades e completamente nus, se amontoavam uns sobre os outros numa cena grotesca de medo indescritível. Como que pelo deslize de estarem mais próximos da porta naquele momento, fossem os primeiros a serem escolhidos para serem levados ao abatedouro. O que por sua vez se justificava totalmente, visto que o ambiente onde ocorria tal matança, também era ali mesmo entre aquelas quatro paredes e à apenas alguns passos de onde eles estavam. Naquele açougue improvisado, diversas partes de vísceras humanas eram constantemente visitadas por moscas, que se banhavam no sangue dos inocentes.

O cheiro em si era terrível e insuportável, provocando em Yusuke grande repulsa. Mesmo enojado, o que mais perturbou Urameshi foram os grunhidos advindos daquelas gargantas, que muito se assemelhava ao som gutural dos animais do campo. Após gerações e mais gerações de famílias humanas inteiras expostas e intoxicadas pelo miasma do Makai, tratadas ali, naqueles criadouros, apenas como meros animais para alimentação; eles já não possuíam mais nenhum vestígio de consciência ou de humanidade. Já não se comportavam mais como seres humanos, e mediante as inumeráveis deformações físicas e mentais, haviam se transformado irreversivelmente em alguma outra coisa.

Quando o restante do grupo o alcança, o outrora inerte substituto do seu coração já estava pulsando de maneira descompassada e descontroladamente. Chocado demais para dizer qualquer palavra, Yusuke apenas ergue seu braço com sutileza e aponta seu dedo indicador para o interior do recinto.

Ele poderia matá-los, poderia acabar com a sua agonia e sofrimento naquele instante. Mas seria realmente capaz de fazê-lo?

Vendo o que Yusuke estava intentando, Darla corre em sua direção para tentar impedi-lo, mas já era tarde demais ... com grande potência, Urameshi dispara um massivo Lei-gun. A esfera de energia gigantesca atravessa com furor a imensa estrutura de madeira, desintegrando completamente uma de suas paredes laterais e também tudo o que havia atrás dela, brilhando com intensidade até alcançar a linha do horizonte.

Mas diferentemente do que todos pensavam, nenhuma daquelas deformadas criaturas morre. Yusuke não havia mirado nelas. E em meio aos destroços espalhados pelo ar e pelo chão do local, que também ficou em chamas, algumas daquelas pessoas, se é que ainda podemos chamá-las assim, na verdade encontraram um caminho para a liberdade. Enquanto outras, tão adaptadas à aquela realidade, infelizmente se mostraram incapazes de fugir.

Com a chegada de Darla ao local, Yusuke toma um poderoso tapa na cara que o devolve ao mundo real quando ela extremamente irritada lhe diz:

 O que você está fazendo seu imbecil? Aquilo era tudo o que nós tínhamos para comer!

Mas com um olhar verdadeiramente assustador, Yusuke devolve a pergunta dizendo:
 O que eu estou fazendo?

Em seguida, Urameshi ergue Darla novamente com a sua mão direita e aponta seu dedo indicador diretamente para o rosto de Darla. Ele concentra abruptamente suas energias, ameaçando assim disparar o seu lei-gun à queima roupa contra a garota até que Mukuro agarra seu braço e lhe impede de atacar dizendo:

 Não seja burro garoto, e nem hipócrita! Isto faz parte da realidade do mundo das trevas e não difere muito daquilo que vocês mesmos fazem para se alimentar com os animais do seu mundo. É uma simples questão de sobrevivência.

 Me larga Mukuro, você não viu aquilo? Era desumano!

 Eles são youkais Yusuke, uma tribo de Mazokus devoradores da qual até mesmo Raizen fez parte. Você esperava o quê? Não entende a necessidade deles?

 Não. Numa ocasião, eu até me propus a levar alguns humanos para Raizen comer, mas eu pensava em pessoas inescrupulosas e não em inocentes. Definitivamente, não pensava em crianças. Mas o que eles fazem aqui, é bárbaro, é perverso e cruel. Eu não desejaria isso nem para o meu pior inimigo.

 Olhe à sua volta Yusuke, pense em onde estamos: Num ponto extremo do mundo das trevas. Acha que eles tinham muitas opções senão montar os criadouros? Acha que há tantos humanos vagando por aí ou que eles podiam escolher até mesmo a índole de quem devorar? Você é um tolo moleque. Apenas lhes tirou o seu único sustento.

Tomando este choque de realidade, mas ainda sem se arrepender do que fez, Yusuke passa a se sentir como a pessoa mais desprezível do mundo ao se deparar com algo tão pesado e diferente da sua própria realidade e cultura, com a qual ele jamais poderá lidar.

Mukuro por sua vez, se vira para Darla dizendo:

 Você aí, ô garota da saia de Pedrita, chame alguns dos seus amigos. Eu vou ajudar vocês a recapturá-los.

Em seguida, ela se dirige ao abatido Urameshi dizendo:

 Quanto a você Yusuke, vê se toma jeito. Você precisa entender que há coisas no mundo das trevas que simplesmente não dá para mudar.

Por alguns minutos, Yusuke permaneceu ali, parado de pé e com a cabeça baixa, enquanto via a movimentação e os preparativos pra caçada ocorrerem ao seu redor. Com ele, ficaram apenas Kurama e Hiei, que não foram capazes de dizer uma só palavra de conforto, pois lá no fundo, em seu interior, eles de certo modo também concordavam com as palavras de Mukuro.

E deste modo, distraídos pensando que o fluxo repentino de pessoas correndo ao seu redor ainda fazia parte da movimentação que anteriormente se deu mediante o início da caçada, eles não perceberam o momento em que os primeiros ataques começaram a acontecer, até que um grito verdadeiramente aterrorizado lhes chamou a atenção.

 Yahhhhhhhhhhhhh!!

 O que diabos foi isso? Pergunta Yusuke.
 Parecia um grito de dor. É o que responde Kurama.

Ao que Hiei lhes aponta uma direção entre as tendas dizendo:
 Olhem aquilo!

Ao direcionarem o olhar para a direção indicada, Kurama e Yusuke avistam uma garota Mazoku encurralada pela presença animalesca e ameaçadora de uma criatura de proporções avantajadas, quase do tamanho de um carro e muito semelhante a um imenso felino, todavia, sem quaisquer pelagens sobre seu dorso e possuindo presas enormes.

A distância entre eles era demasiadamente grande, e consequentemente, não havia tempo ou a possibilidade de salvá-la. Sendo ela assim, infelizmente dilacerada ali mesmo diante de seus olhos.

Com espanto, eles observam inúmeras outras criaturas idênticas a esta surgirem por todos os cantos do vilarejo, atacando os moradores e destruindo suas casas. Muitos deles, como bons guerreiros que são, conseguem se defender com algum esforço, ou mesmo, se afastar sem sofrer nenhum arranhão. No entanto, os Mazokus mais vulneráveis, como os idosos e as crianças, já não tem tanta sorte.

Kurama, então, se dirige a Yusuke e a Hiei dizendo:
 Precisamos ajudá-los.

Mas atormentado pelo peso da dúvida imposto pelos seus próprios pensamentos após tudo o que viu, Yusuke não se move nem um centímetro e lhe diz automaticamente em resposta:

 Não. Eu … não sei se quero.

Dando uma verdadeira sacudida em Urameshi, que lhe cai como um choque de realidade, Kurama lhe põe de volta aos eixos o forçando a se movimentar num solavanco e lhe dizendo:

 Para com isso Yusuke, e vamos logo!

Mas sendo interrompido por uma nova ameaça, Kurama não consegue dar nenhum passo sequer ao ouvir em alto e bom tom a voz de Hoozen se dirigir a eles com furor dizendo:

 Não, vocês não vão a lugar algum.

Montada em uma daquelas terríveis feras selvagens, testemunhamos o regresso de Hoozen ao campo de batalha, que posicionada em um ponto elevado do terreno, chega ao local acompanhada de Takuma, o mestre das bestas, que se posiciona ao centro do grupo, e ao seu lado, a irmã de Toshio; a youkai chamada Sayaka, que vem montada numa terceira fera.

Quando todos os olhares se cruzam e se encaram agressivamente, fica claro que uma nova e terrível batalha estava prestes a começar. Mas nas condições atuais de Yusuke seria possível a ele sobreviver?

Não percam o próximo episódio de Eternamente Yu Yu Hakusho.
Nos vemos no próximo volume: “Batalha nas trevas”.


Eu não conheci o outro mundo por querer!
Espelhos se quebram e te refletem ...

quinta-feira, 25 de maio de 2023

19 - ETERNAMENTE YU YU HAKUSHO

EPS – 19 NAS PROFUNDEZAS

Nas ruínas de Hametsu, vemos uma figura feminina surgir e cambalear em meio à poeira erguida pelos ventos que assolam aquele lugar amaldiçoado, praticamente se arrastando até chegar ao imenso pátio externo da construção que ao longo de séculos foi tomada por raízes, onde encontra-se reunido o grupo de Youkais, que anseia libertar do abismo um mal muito antigo. A garota em questão trata-se de Hoozen, que gravemente ferida, agoniza até ser amparada por sua companheira Sayaka. Preocupada, ela logo lhe questiona:

– O que houve Hoozen?! O que aconteceu?

Com dificuldades, a mesma lhe responde quase em sussurros:
– Nós falhamos. Subestimamos a força daqueles desgraçados.

Vendo que mesmo uma guerreira tão respeitada e formidável quanto ela encontrava-se em tão péssimas condições, o quieto e recluso Takuma, descruza seus braços e se aproxima vagarosamente dela para avaliar a gravidade de seus ferimentos. Ele nota que Hoozen estava com a pele completamente queimada, estava cega de um olho e carregava um braço destruído. Alguém capaz de fazer tudo aquilo era sem dúvidas, digno de seu interesse.

Uragami então se aproxima dela e se prepara para curá-la usando seus poderes. Quando, agarra agressivamente umas das pequenas criaturas aladas de Takuma e molda sua carne através de sua energia, dispersando no ar um intenso e luminoso brilho que clareia todo o ambiente ao seu redor.

Enquanto insere e mescla a criatura à pele deformada de Hoozen, ela rapidamente se regenera. Uragami estava fundido aquela monstruosidade youkai ao seu corpo, e com este ato, estava restituindo parte do que seria a sua plena saúde. Com seus ferimentos mais graves curados, o restante ela seria capaz de recuperar por si mesma, mediante um simples descanso.

Mas, antes mesmo que Hoozen pudesse dizer qualquer outra palavra, Sayaka lhe questiona:

– Hoozen, onde estão os outros? Onde está o meu irmão?! Não me diga que ...

– Sim. Infelizmente ele está morto minha querida, eu sinto muito. O mesmo aconteceu ao Yajima. A maldita Darla está com eles, ela os está ajudando! Traiu a única esperança que havia de existir um futuro para o nosso clã. Warrhhh!

Neste momento, Hoozen se excede e regurgita o próprio sangue pela boca, caindo de joelhos sob o chão. Com semblante sério, Uragami estende uma de suas mãos sobre ela e logo, sua energia esverdeada volta a brilhar, transmitindo efeitos curativos àquela mulher. Sayaka sente-se desconsolada e jura vingança enquanto seu líder finalmente se pronúncia dizendo:

– Darla não entende que precisamos reaver o acesso àquele poder para termos de volta um propósito para nossa existência. Mas há males que vem pra bem. Se ela está com eles, então sabemos assertivamente para onde irão. Descanse Hoozen, e controle sua raiva Sayaka, pois muito em breve vocês poderão descarregar toda a força da sua ira contra aqueles insolentes.

Longe dali, no âmago da escuridão, o grupo liderado por Yusuke caminha com cautela pelas areias da insondável vastidão entrecortada por rochas daquele que é considerado um dos lugares mais perigosos do mundo das trevas. Ao seu redor, à espreita, inúmeros olhares brilham por entre as fendas das gigantescas ossadas deixadas ao relento por seres que outrora vagaram por milênios naquele lugar, sendo agora, apenas desgastadas pelo tempo.

Ao longe, Yusuke testemunha uma figura sinistra se erguer na escuridão, tão grande que poderia facilmente ultrapassar as nuvens se elas ali existissem. Muito semelhante ao ressequido Errante que viram no princípio de sua viagem, talvez ele até fosse um outro remanescente da sua mesma espécie, vagando sem rumo no vazio, e para o qual, a presença do grupo ali não era mais significante do que a de um microscópico germe.

O murmúrio estridente da criatura, porém, soa imensamente forte a princípio, e logo em seguida, passa a se parecer mais com um entristecido lamento a ecoar ao longe. Isto de alguma maneira parece afetar a todos os ali presentes, que passam a observar a criatura enquanto ela segue seu caminho, agora em silêncio, para o horizonte. Onde numerosas criaturas aladas e paisagens sem fim alcançavam até mesmo, onde se perde a vista.

Diante daquele lugar espectral, um ansioso Yusuke deixa escapar um pensamento:
– É tenebroso. Não sei como alguém pode sobreviver aqui.

Ao que Kurama o complementa dizendo:

– É impossível não se sentir desconfortável aqui não é mesmo? Quando vemos com nossos próprios olhos que este lugar é tudo aquilo que nos disseram que seria.

Logo depois, porém, o som de um galopar passa a ser ouvido muito próximo a eles e anuncia a chegada de um grupo estranho de Youkais, montados em criaturas insectóides muito semelhantes a gafanhotos.

A cavalaria os cerca com pelo menos uma dezena de indivíduos, e ao prestarem mais atenção nas características físicas das figuras ao seu redor, eles percebem que estão sem sombra de dúvidas, rodeados por Mazokus.

Yusuke sente-se como se tivesse caído em uma emboscada e se prepara para o combate, mas Darla se antecipa e toma a frente, intervindo ao dizer:

– Esperem! Eles estão comigo.

O líder do grupo era um homem imponente, com altura elevada, orelhas pontudas e um olhar firme. Sobre seus ombros, exibindo familiaridade, estavam as marcantes tatuagens Mazoku. Chamando a atenção, um imenso martelo de guerra pendia ao lado de sua montaria, sugerindo que fosse empunhado com ambas as mãos devido ao seu tamanho, porém a empunhadura revelava que ele era capaz de manejá-lo com uma única mão, dada sua força e habilidade. Vestia uma roupa camuflada, como se quisesse ocultar-se nas sombras da noite ou passar despercebido pelos animais que o grupo aparentava caçar. Observando com maior atenção, notava-se a fuligem metálica impregnada em diversas partes de sua pele, como nas mãos, pescoço e até mesmo em algumas áreas de sua vestimenta, evidenciando de onde provinha sua destreza com o martelo. Ele se destacava do grupo e feliz em vê-la, exclamava:

– Darla! É mesmo você? Há! Eu sabia que conseguiria!

Ele desce da criatura e a abraça como se o estivesse fazendo à sua própria filha, ou a uma irmã mais nova muito querida. Em seguida, se dirige à Yusuke e lhes dá as boas-vindas, apertando sua mão com firmeza.

– Ouvimos falar muito de você garoto. Sua existência dividiu o pouco que restava da nossa tribo, mas sua chegada até aqui nos traz grande esperança.

– Ih, lá vem vocês com essa história de novo. Já vi que vai ser uma bomba. Só não vai se animando muito não ok meu chapa, pois na verdade eu ainda nem tô muito por dentro do assunto.

Confuso, ele busca na face de Darla uma resposta à sua pergunta:
– Eu não entendo. Ainda não lhe disse nada? Mas então ...

– Eu disse algumas coisas Tsujimura. Mas você não faz a menor ideia do quanto esse aí é cabeça dura. Deixa o velho Hiroshi explicar tudo para ele. Ele é melhor com as palavras do que eu. A minha função eu cumpri, eu o trouxe até aqui.

– Bom, então venham, o que estão esperando? Vamos o mais rápido possível para a aldeia. Todos estão ansiosos para vê-lo.

O homem chamado Tsujimura Nagai, monta novamente no dorso da criatura como se a mesma fosse um cavalo, enquanto alguns do seu grupo se espalham, dividindo a montaria. Tsujimura cora ao notar primeiramente a beleza e somente em seguida, o braço mecânico destruído de Mukuro. E então lhe pergunta:

– Você ainda consegue montar?
Intentando talvez, que ela viesse junto consigo.

Ao que Mukuro em resposta, toma as rédeas de um deles com muita imponência, recusando seu convite. Vendo sua postura altiva e independente, Tsujimura parece ainda mais interessado, e quase que em tom de flerte, continua o que dizia:

– Escute, acho que eu posso te ajudar com isso aí. Sou um renomado ferreiro na minha tribo e acredito que tenho algo que possa lhe servir. Quando chegarmos lá, você bem que poderia vir até a minha oficina para dar uma olhada, quem sabe ...

Mas neste momento, Hiei que até então estava de birra com Mukuro, se lança para a garupa da criatura que era conduzida por ela, como se estivesse de algum modo, marcando presença em seu próprio território. Ele olha fixamente para os olhos de Tsujimura, que constrangido, parece finalmente entender bem toda a situação. Ele então desconstrói o sorriso em seu rosto e solta um suspiro, depois, vai saindo de fininho tomando a dianteira.

Percebendo tudo pelo canto do olho, Mukuro parece simplesmente ignorar os seus dois pretendentes, e apenas coloca a criatura em movimento. Yusuke por sua vez, também está desconsertadamente muito junto à Darla, abraçando-a por trás e pensando no que a Keiko diria se lhe visse daquele jeito.

Neste momento, a milhares de quilômetros dali, no mundo humano, Keiko Yukimura, a radiante esposa de Yusuke, quebra um copo ao apertar com força involuntariamente uma de suas mãos.

Vendo aquilo, Shizuru, que já aparenta estar bem melhor, lhe questiona:
– Você está bem Keiko? O que houve?

– Não sei o que me deu, foi só raiva, assim de repente. Não se preocupe que não deve ser nada demais, só ansiedade mesmo pela ausência do Yusuke. Faz tempo que eles estão viajando né? Há semanas já.

– É verdade. E como será que anda o treinamento do meu irmão?

Ambas fitam a janela enquanto de volta ao Makai, o grupo de Mazokus onde se encontra Yusuke, galopa em disparada, levantando bastante poeira atrás de si por onde passa, enquanto atravessam vales e paisagens exóticas.

Indo na retaguarda do grupo, Hiei quebra o silêncio que se formou entre ele e Mukuro há dias dizendo com um tom de voz bem baixinho e quase se engasgando com as próprias palavras:

– Eu sei que não tive a melhor das reações quando notei o estado atual do meu rosto…

Ele neste instante para e olha atentamente para Mukuro buscando alguma reação, mas ela parece ignorá-lo. Ele então insiste mais uma vez falando um pouco mais alto, mas desviando o olhar para baixo:

– Quero dizer … eu realmente não me importo se isso te deixou irritada ou não. Só quero que você saiba que eu realmente não tive a intenção de te ofender.

Neste ponto, quase sorrindo, Mukuro expressa uma reação:

– Ora, ora, se não é o todo invocado Hiei tentando a seu modo por pra fora um pedido de desculpas. Você já fez isso alguma vez em toda a sua vida? Parece um blutz que ainda não aprendeu a usar as palavras.

– Tss, cretina! Só aceite e façamos de conta que isso nunca aconteceu.

– Eu não me ofendi. Essas cicatrizes trazem orgulho para mim. Elas não me recordam da dor, mas sim da superação. São a minha força. As suas marcas deveriam fazer o mesmo por você.

Ao completar essa frase, Mukuro puxa o arreio e aperta o passo de sua montaria, tornando a reinar o silêncio entre ela e Hiei pelo resto do caminho. Contudo, eles não tardam muito a chegarem ao seu destino.

Logo, todos deixam às exóticas criaturas que usavam como montaria de lado e seguem a pé pelas estreitas vielas entre as tendas feitas de couro e as casas rústicas de madeira da pequena vila que os cerca.

Enquanto são rodeados pelos moradores locais, sua presença chama bastante a atenção das crianças, mulheres e idosos, de modo geral, gente de todo tipo; sendo eles, todos Mazokus em sua essência apesar de sua pressuposta natureza pacífica. O que também podia ser percebido mediante o reflexo de sua cultura nitidamente tribal e característica, onde as peles das caças se encontram esticadas ao sol por todo o caminho, junto às carnes e os grandes ossos das criaturas abatidas, que seriam usados posteriormente como pilares para erguer suas novas tendas.

Vendo que não conseguiam mais avançar entre as dezenas de pessoas curiosas, Nagai grita: – “Abram espaço! Precisamos ver o mestre Hiroshi.”

Mas em meio aos sussurros da multidão alguém lhe diz:
– Ele está aqui. O mestre já está aqui.

Do meio daquelas pessoas então, surge um diminuto ancião de sobrancelhas espessas e olhos caídos, quase semicerrados. Com suas orelhas pontiagudas, bigode e barba longa, emanava uma serenidade surpreendente, mesmo que as marcas tribais em seus ombros desnudos deixassem evidente que ele também era um guerreiro Mazoku.

Hiroshi coloca as duas mãos atrás das costas e se aproxima de Yusuke vagarosamente e em silêncio. Ele o examina com o olhar por alguns minutos, enquanto caminha à sua volta. Já se sentindo desconfortável com toda aquela situação, Urameshi logo faz cara feia. Mas com um sorriso gentil, Hiroshi apenas lhe diz com uma voz rouca e de aspecto frágil:

– Obrigado por ter vindo. Peço desculpas por quaisquer inconvenientes que tenham ocorrido pelo caminho, mas eu realmente precisava muito falar com você jovem mestre.

– Então desembucha logo velho, perde tempo não que eu tô de mau humor. Eu vim lá dos cafundós do Judas e tô aqui com a minha bunda cheia de calos, não me ofereceram nem um gole água ainda e você fica aí igual galinha tonta me rodeando sem falar nada.

– Está certo, está certo. Prometo que lhe farei o meu pedido sem rodeios então. Mas antes mesmo dessa hora chegar, eu preciso lhe contar uma história muito antiga, cujo entendimento dela é que vai abrir os seus olhos e mostrar a real importância do meu pedido.

Comicamente, Yusuke relaxa e deixa a cabeça pender toda para o ombro direito enquanto diz baixinho para si mesmo:

– Ô droga, eu digo pra ele falar sem rodeios e o coroa me vem querer contar histórias numa hora dessas. Tomara que não demore muito, pois eu já tô me sentindo mal. Será possível que ninguém mais aqui tá sentindo esse calor todo não?


O sábio Hiroshi, que permanece diante de Yusuke com seus olhos fixos, demonstra uma elegância enigmática ao estender sua enrugada mão, da qual emana uma iridescente cascata de esferas luminosas, dançando no ar como efêmeras e ondulantes bolhas de sabão. Dentro dessas esferas, um vislumbre de vida se desenrola, revelando na tapeçaria em movimento, um lampejo do passado a muito esquecido. Em seu interior, todos veem quando uma espécie de filme começa a ganhar vida, num fascinante flashback de imagens que transporta a todos para o passado. Para uma era já perdida ... a mais de mil anos atrás.

Suas palavras então descrevem o que se passa na narrativa visual:

– Escute meu jovem, preste bastante atenção a seguir, pois essa é a história da sua linhagem, a história da sua tribo: Há muito tempo atrás, o temido Toshin Raizen também fez parte do nosso clã. Ele era um valoroso guerreiro, talvez tenha sido o melhor entre todos nós a certa altura ... mas nem sempre foi assim.

– “O que quer dizer?” Questiona um curioso Yusuke, enquanto vê as palavras ganhando forma e movimento nas bolhas de energia que flutuam à sua frente. O velho Hiroshi então prossegue dizendo:

– Que ele começou sua vida por baixo. Na verdade, ele começou sendo um ninguém. Um órfão encontrado com frio e com fome em meio à relva, lutando para sobreviver desde sua tenra infância. Alguém que tempos depois, firmou fortes laços junto aos da sua tribo, de maneira que suprisse a ausência da família que lhe foi privada desde o nascimento.

– Então Raizen … não era um Mazoku?

– Era sim, de fato, mas infelizmente, um proscrito. Rejeitado ainda criança por alguém de fora, ou até mesmo, de dentro da nossa própria tribo. Quanto aos seus verdadeiros progenitores, eles permaneceram envoltos em mistério, deixando-nos com essa incerteza para sempre. Assim, ele se viu compelido a travar uma batalha árdua para conquistar o seu lugar ao sol. Eu mesmo ainda era muito jovem naquela época, mas me lembro muito bem de como ele se destacava em combate. Era um predador selvagem, tão implacável quanto as mais ferozes criaturas da natureza. Em especial, recordo-me da intensa rivalidade que existia entre ele e o mestre Suizen. Apesar da amizade que os unia, eram também formidáveis rivais, dignos de respeito e temor.

– “E este cara de pastel aí, quem é?” Pergunta Yusuke ao ver o rosto jovial de Suizen, um rapaz de cabelo espetado e esbranquiçado que usava uma faixa verde amarrada a cabeça e um quimono azul se formar em meio às lembranças e logo depois desaparecer.

– Suizen era o irmão mais velho de Daito, e herdeiro de direito do trono do nosso rei, o deus vivo: Houko.

Neste momento, um confuso Yusuke pende a cabeça tentando desviar o olhar e enxergar o senhor Hiroshi por trás das bolhas enquanto lhe diz:

– Pera lá, vai devagar aí senão eu misturo tudo e acabo não entendendo nada. Quem era esse tal de Houko afinal?

O ancião executa um gesto brusco, movendo suas mãos lateralmente, como se esculpisse a névoa que habitava o interior das esferas. Diante dos olhos de todos, surge a imagem de um outro Mazoku, um ser de avançada idade, carregando consigo uma aparência áspera e rude, liderando sua tribo em direção a uma batalha iminente. Apesar dos cabelos longos e da densa barba, bem como das marcantes insígnias tribais que adornavam seu corpo vigoroso, o que mais se destacava era o brilho austero e amarelo em seu olhar. O sábio Hiroshi prossegue, dando continuidade às suas palavras:

– Houko era um Toshin, talvez o primeiro Toshin. Ele era um ancião mesmo entre os Mazokus mais longevos. Foi o líder do nosso clã durante um período de tempo absurdamente longo, tão longo que para ser sincero, não é possível para mim sequer estimar. Ele era o guardião dos segredos de Hametsu.

– “Pela cara dele, me parece que ele era um cara bem severo.” Interrompe Yusuke, um tanto quanto surpreso com a sua aparência indelicada e aspecto agressivo em combate.

Mas Hiroshi mais uma vez transfigura as imagens para lhe mostrar um velho Houko mais bondoso, meditando nas ruínas e sendo muito querido entre os de seu povo. Ele então lhe diz:

– Não se engane. Ele realmente era um guerreiro assustador, mas foi muito mais do que isto também. Na maior parte da sua vida, ele utilizou o poder de Hametsu para cura e para levar prosperidade às criaturas deste mundo.

– Humm, entendi.

– Ele se destacava entre os membros do nosso clã como o único capaz de penetrar nas sombrias ruínas de Hametsu, onde se unia aos espíritos ancestrais que lá residiam. Em suas mãos parecia repousar uma faísca ardente da chama primordial, e ele realizava verdadeiros prodígios com ela. Embora possa ser difícil de imaginar nos dias atuais, outrora aquele recinto obscuro exibia uma beleza arrebatadora, cujo esplendor ultrapassava os limites do horizonte. Era, sem dúvida, um autêntico paraíso.

– A Darla já nos falou um pouco sobre isso. E realmente, não dá para acreditar vendo todas aquelas criaturas abissais.

– Essa é uma das coisas mais importantes que eu preciso que você entenda. Proteger a fonte desta força vital e ancestral, por muito tempo, foi a razão da nossa existência. Era este o único propósito do nosso clã.

– Tá, mas e aí, o que foi que aconteceu então?

Desta vez, com apenas um estalar de dedos, Hiroshi faz com que a imagem na bolha de energia mude, apresentando um outro jovem youkai que possui pequenas presas em sua mandíbula inferior, de cabelo ouriçado e portando óculos redondos, que lhe davam um ar de esperteza. As despojadas roupas trajadas pelo youkai, cobriam-lhe um peito, enquanto deixava o outro à mostra, quase como o traje de um monge budista.

Vendo que Yusuke se atentava a face daquele youkai, com olhar bastante analítico e sentindo certo reconhecimento, Hiroshi prossegue o que dizia:

– Ah, vejo que o infortúnio que nos acometeu teve seu início com a chegada desse misterioso ser, o youkai chamado Yanmo. Embora não fosse um Mazoku como o nobre Raizen, ele foi acolhido de braços abertos por nosso clã. Contudo, lamentavelmente, a presença dele em nosso meio revelou-se um erro de proporções catastróficas. Por décadas a fio, Yanmo insidiosamente influenciou Suizen, servindo-se de uma falsa camaradagem como disfarce para induzi-lo com seus planos de conquista. O jovem forasteiro, perspicaz e inquieto, almejava trazer profundas transformações ao mundo, mudanças que, por sua vez, ceifariam a paz que desfrutávamos. Ele nutria uma fé inabalável de que, uma vez coroado rei, Suizen moldaria tudo segundo suas aspirações, acreditando que, de alguma maneira, ele também teria o controle, pois vivia como uma sombra do nosso futuro líder, exercendo sobre ele uma influência avassaladora. No entanto, os acontecimentos que se desenrolaram a seguir foram muito além do que ele ousara imaginar.

– “Agora que já começou, me conta logo, vai.” Replica Yusuke, cada vez mais curioso.

Fazendo com que várias daquelas pequenas bolhas se juntassem no ar, Hiroshi forma uma grande esfera onde todos podem ver em seu interior os próximos atos de sua narrativa:

– Muito próximo do findar de seus anos, quando o mestre Houko sentiu o peso da idade e resolveu escolher seu sucessor, ele optou pelo melhor entre todos os guerreiros, tornando Raizen o nosso novo rei para desgosto de seus próprios filhos, gerando ainda, uma imensa perplexidade em todo o nosso clã, visto que ele não era alguém de sua linhagem. Com grande amargura, Daito engoliu o seu orgulho e acatou a sua sina, mas o mesmo não aconteceu com Suizen, que revoltado, procurou seu pai junto com Yanmo exigindo maiores explicações.

Neste momento, Yusuke fita a esfera de energia que mostrava as imagens do passado, primeiramente vendo Suizen esbravejar com seu pai e em seguida ele ouve o momento em que um desapontado Houko diz a seu filho:

– Você não entende, não sabe o que ele é. Você não foi agraciado com o dom, mas ele sim. Raizen é um Toshin, assim como eu!

Juntando os pontos, Yusuke tenta alinhar seus pensamentos dizendo:
– Então, nenhum dos filhos de Houko nasceu com o tal estigma?!

– Isso mesmo. Contudo, Raizen sim. Mas o que Houko e ninguém mais sabia até aquele momento, é que este poder poderia ser tomado. Com o coração repleto de revolta e sendo consumido por tudo aquilo que Yanmo vinha lhe dizendo sobre se tornar o novo rei e mudar as coisas por ali, Suizen fez o impensável: Ele pegou seu próprio pai desprevenido e o matou à sangue frio, tomando para si o estigma que ele carregava.

Em meio aos murmúrios dos que estão à sua volta, as imagens na esfera mudam novamente quando Hiroshi dá continuidade ao que dizia:

– Aquele terrível acontecimento abalou a todos em nosso clã, pegando-nos de surpresa como uma tempestade súbita. Perseguidos implacavelmente por Daito e Raizen, Suizen e Yanmo empreenderam uma jornada rumo à fonte de um poder oculto, guardado em sigilo por Hametsu, com o propósito avassalador de se apropriarem de tudo o que lá existia. No entanto, a ilusão que Yanmo nutria desmoronou rapidamente quando percebeu sua própria tolice ao pensar que esse poder também poderia ser seu. Pois, naquele reino de sombras espectrais, apenas um verdadeiro Toshin teria uma ínfima possibilidade de atravessá-lo. Assim, despedaçado pelo turbilhão colossal que o envolveu, Yanmo foi tragado pela insanidade e vomitado de volta ao mundo exterior em trapos e farrapos de seu ser. Abandonado e deixado para trás, enquanto Suizen, cego pelo poder, seguiu adiante, solitário em sua empreitada.

Vendo nas imagens Yanmo agonizar nas ruínas, Yusuke pergunta:
– Espera um pouco aí, ele ainda estava vivo mesmo depois de tudo aquilo?

– Estava sim. Pelo menos até ter sido encontrado por Daito e Raizen, que também tentaram adentrar na escuridão; a qual apenas Raizen obteve sucesso em atravessá-la. Quando, fraquejando, Daito também retornou das sombras, Yanmo já não estava mais lá. Havia desaparecido sem deixar rastros. Ele pode ter sobrevivido, ou até mesmo, ter sido tragado pelas sombras de Hametsu.

Observando com atenção as esferas flutuantes, Yusuke percebe que onde deveriam haver novas imagens, agora ficou tudo enfumaçado. E ansioso por saber mais ele o questiona:

– Ei, e o que mais aconteceu velhote, por que ficou tudo escuro de repente?

– A partir desse ponto, o que nos resta são apenas fragmentos nebulosos do ocorrido, envolvidos em um véu de mistério. O embate titânico entre Raizen e Suizen, travado nas profundezas sombrias, desafia todos os registros e precedentes da história deste mundo. A magnitude desse conflito épico tornou-se cristalina quando uma torrente imensa de energia irrompeu daquelas entranhas, fluindo em um curso ininterrupto que transformou toda a vegetação em seu caminho em cinzas desoladas, ceifando impiedosamente a vida de cada criatura vivente que ousara habitar aquelas terras. A carnificina era avassaladora, uma triste energia ecoando pelos milhões de quilômetros varridos pela destruição implacável.

Vendo seus olhos serem tomados pelo clarão, Yusuke estremece e questiona:
– O que diabos foi isso? De onde veio tanto poder?

Ao que Hiroshi prossegue:

– Naquele dia, mesmo entre nós, os poderosos Mazokus, houve grandes perdas. Apenas um punhado de nós sobreviveu, aqueles que realmente eram considerados os mais fortes. E com isso, toda essa região do Makai foi envolta em escuridão para sempre. Levou muito tempo até a vida retornar a este lugar. Em sua maioria, seres dimensionais que mais pareciam ter saído de algum pesadelo. Levou muito tempo, até o primeiro Mazoku pós cataclismo nascer.

Vendo os sinais de devastação através das esferas, Yusuke não se contem ao dizer:

– Quanto mais histórias eu ouço, mais me surpreendo com aquele desgraçado do Raizen. Diga-me, como foi possível, como afinal Raizen sobreviveu a isso se estava bem no olho do furacão?

– Inexplicavelmente, sobreviveu. Emergiu vitorioso daquele campo de batalha onde a própria vida parecia tênue e incerta. Apesar de gravemente ferido, sua determinação o sustentou, e ele emergiu das ruínas cambaleando, a cada passo, carregando o peso de sua própria tormenta. Raizen, em seguida, selou as portas que tão tenebrosamente se erguiam, utilizando magia e o seu próprio sangue como oferenda para que elas jamais se abrissem novamente. Contudo, esse nobre gesto acabou por se converter no maior erro de toda a sua vida. Pois, diante da irreparável devastação que se estendia além dos limites de nosso domínio, fomos ainda privados do propósito de nossa existência. Sem a graça advinda de Hametsu, a nossa tribo estava fadada ao fim. E por esta razão, Raizen enfrentou a revolta de seu próprio povo. Embora ainda houvessem alguns poucos fiéis que ansiavam por vê-lo assumir o trono, a maioria avassaladora o rotulou como um traidor impiedoso.

– “Ora essa, agora eu não entendi. O que diabos eles tinham na cabeça?” Questiona Yusuke.

– Entenda, estavam todos muito abalados com o assassinato do velho Houko e com as incertezas que nos reservavam o futuro. Alguns até desconfiaram do ocorrido, citando a eterna disputa de Raizen com o príncipe Suizen como a verdadeira causa de toda aquela situação. Por fim, Raizen decidiu partir para nunca mais voltar e naquele mesmo dia, o jovem Daito tomou seu lugar como nosso novo líder.

Comicamente, ao vê-lo como rei, Yusuke não se contem e solta a frase:
– Ah não, joga pedra nesse aí que é doido.

Ao que Hiroshi continua o que dizia:

– Pelos séculos que se seguiram, Daito foi um rei obcecado e negligente. Tentou inúmeras vezes reabrir Hametsu para reaver o poder perdido para si. Mas foi sobretudo impossível, mediante todas as maneiras. Ele então tentou convencer Raizen a voltar e até mesmo, chegou a enfrentá-lo algumas vezes, visto que estava se tornando cada vez mais forte com o passar do tempo. Mas Raizen também foi se tornando mais forte, muito mais forte. Provavelmente ele fez isso justamente para garantir que aquele poder jamais caísse em suas mãos. Raizen à princípio vagou por anos nesta região desprovida de vida até chegar às camadas superiores do Makai, onde para nossa surpresa, um milênio depois de ter partido, se firmou como rei. Renegado entre os Mazokus, reinou entre as criaturas inferiores da superfície deste mundo.

– Tá, tá, tá. Mas não começa a ir por esse lado não ou você vai acabar falando mal dos meus amigos carequinhas e eu vou acabar tendo que te dar umas bifas pois eu os conheço muito bem, e são todos gente muita boa.

– Que seja. O resto da história você já conhece. Ali mesmo, no oposto extremo deste mundo, Raizen encontrou seu fim, o que para nós também indicava o findar de toda a esperança. E apesar de termos sobrevivido aqui durante eras, sem ter um propósito, boa parte dos que restaram da nossa tribo se espalhou e ela praticamente se desfez. As coisas só voltaram a se agitar novamente quando um mensageiro nos trouxe a notícia sobre a sua existência.

– É isso, para nessa imagem aí meu consagrado! Me diz agora, quem foi esse língua grande de tamanduá que trouxe a notícia? Ou melhor, ele era mensageiro de quem?

– Bem, isto eu sinceramente não sei. Pois apenas o rei Daito foi quem leu aquela carta. Mas a notícia em si alvoroçou a todos, e por consequência dividiu a nossa tribo. Daito desejava o poder para si, e isto o atraiu ao mundo dos humanos. Mas ele não podia apenas te matar e se tornar o novo Toshin. Ele também precisava do que corre em suas veias ainda quente para reabrir aquelas portas seladas a milênios por Raizen com sangue e magia. Nós discordarmos totalmente do seu curso de ações. Enquanto o grupo liderado por Uragami por sua vez, acreditava cegamente nas antigas lendas baseadas em sussurros advindos da escuridão que diziam que Suizen ainda pode estar vivo e aprisionado naquele lugar. Eles farão o que for necessário para atrair você e libertar aquela abominação. Quanto a nós ...

– É, me diz aí. E quanto a vocês? O que querem de mim afinal? Desembucha.

Mudando totalmente de postura, Yusuke repentinamente se mostra irritado e preocupado com as próximas palavras do velho. Deveras, esperando pelo pior, ele cerra o punho com força e se prepara para o que virá a seguir. Mas quebrando sua expectativa, Urameshi acaba tendo uma grande surpresa quando Hiroshi apenas lhe diz:

– Bem, após toda essa história chegamos ao ponto em que eu lhe faço o meu maior e humilde pedido. E como eu lhe prometi, isto seria sem rodeios.

Consigo mesmo, Yusuke pensa que se houvessem mais rodeios do que isto, ele já teria uma boiada. Ao que o velho Hiroshi finalmente conclui sua linha de raciocínio dizendo:

– Nós queremos que você se torne o nosso novo rei.

Durante alguns longos segundos em que todos da tribo se mantém ansiosos e em silêncio, o grupo que acompanhava Yusuke se mostra perplexo. Ninguém podia nem mesmo imaginar qual seria a sua resposta ou reação, sendo o Yusuke tão imprevisível quanto ele normalmente é. Até que uma inesperada e estridente gargalhada toma conta de todo o lugar.

Yusuke não acreditava que eles haviam te pedido justamente isso e comicamente, quase morre ao tentar falar enquanto mal consegue segurar suas fortes gargalhadas:

– kkkkkkkkkkkk, tá de brincadeira comigo não é meu senhor?! Vocês realmente devem estar muito desesperados para me pedirem um negócio destes. Olha só, não me levem a mal, mas não há a menor possibilidade disto acontecer, tá me ouvindo? Nunca, never, jamé. Isso não vai rolar.

Uma sensação desconcertante de desapontamento toma conta de todos os mazokus presentes. Sensação terrível esta que é intensificada pela humilhante gargalhada sem noção de Yusuke. Ele não havia sequer considerado o sentimento de todos os que ali estavam. Apenas ria, como se pedido deles não fosse nada.

Após o que disse, com Yusuke ainda se afogando em gargalhadas, poucos percebem o momento em que ele sofre uma repentina mudança em sua expressão facial até que chega ao ponto de desmaiar, caindo ali mesmo em meio a todos que o cercavam e que testemunhavam seu ridículo espetáculo.

Kurama corre para ampará-lo e preocupado, questiona aos demais:
– O que aconteceu? Alguém viu alguma coisa?

Ao que irritada com o escândalo anterior de Yusuke, Darla friamente lhe diz:

– Olhe para ele, não está vendo? São os efeitos do estigma novamente. Está agonizando, mas sem aquela mesma força que demonstrou outrora. Eu avisei que isto iria matá-lo. E quer saber, tomara que morra mesmo depois de tudo o que ele disse.

Indignado com suas palavras diante daquela lamentável cena, o velho Hiroshi intervém dizendo:

–Não, tragam-no para minha tenda. Nós vamos ajudá-lo.

Mas a inesperada postura do ancião causa grande estranheza em Darla que lhe diz:
– Mas mestre Hiroshi, ele acabou de zombar de todos nós! Nos humilhou!

– Não importa. Se o deixarmos assim ele morrerá aqui e agora. E não quero ter que lamentar esta grande perda no futuro. Tragam-no a minha tenda com urgência.

Mostrando certa nobreza, Hiroshi os conduz até sua ampla casa, onde se prestará a socorrer Yusuke, sendo acompanhado por todos os outros que abrem passagem em meio à multidão. Neste ponto, já não dava mais para saber nem mesmo o que poderia acontecer, ou que outros segredos a tribo Mazoku ainda lhes estavam omitindo.

A milhões de quilômetros dali, noutro plano de existência, vemos Kuwabara meditando para finalmente chegar ao ápice de seu treinamento. Ele está em perfeita sintonia agora, em estado de concentração total, manifestando poderosamente as suas energias, enquanto domina o poder avassalador do Seikouki.

Porém, alheio a tudo o que acontece ao seu redor, Kazuma se conecta com a dor sentida por Yusuke a tão longas distâncias no Makai, e também é afetado por ela. De algum modo, ele sabe o que está acontecendo, sabe que Yusuke está morrendo e com tudo isso, não percebe o imenso e aterrorizante estrago que simultaneamente começa a causar no ambiente ao seu redor.

Genkai pede várias vezes para ele se controlar, mas para Kazuma, sua voz parece cada vez mais abafada, e num estado de torpor, ele leva bastante tempo para acordar para a realidade e finalmente conseguir ouvi-la gritar.

Apenas quando entende o significado de suas palavras é que Kuwabara volta a si:

– Veja o que está fazendo Kuwabara! Se controla garoto! É PODER DEMAIS! Não percebe que as suas forças estão estremecendo todo o Reikai!

Chocado, Kazuma finalmente acorda e para de manifestar suas energias de repente. Ele sente o peso das mãos de Genkai em seus ombros e perplexo consigo mesmo, apenas olha com espanto ao seu redor, onde tudo parece que foi sacudido por um grande sismo.

Tentando retirar a responsabilidade de si, comicamente ele diz:
– Ihhhh, não vem botar a culpa em mim não. Terremotos são muito frequentes no Japão.

Fim do episódio.
Eu não conheci o outro mundo por querer!

Eu sei que meu coração, agora dói ...