domingo, 14 de maio de 2023

17 - ETERNAMENTE YU YU HAKUSHO

EPS – 17 CAMINHOS CRUZADOS

Em meio as devastadas ruas da cidade de Julon, que foi palco de uma dura e decisiva batalha, o grupo liderado por Yusuke se reúne mais uma vez para decidir o que devem fazer a seguir. Mesmo envergonhado ao ver os ferimentos de Darla, que lutou tão bravamente contra os seus outrora aliados, Urameshi ainda se mostra incapaz de confiar totalmente nela, e focado em seu objetivo principal, é o primeiro a levantar a voz e questionar:

– E então Kurama, pra onde a gente vai agora?

Em resposta, a sagaz raposa lhe aponta seu próximo destino dizendo:

– Um aerodarma sairá daqui a pouco indo em direção à vila Effigi, e a gente precisa estar nele a qualquer custo. Pois a pessoa que eu tanto estou procurando está lá. É ele quem irá nos ajudar. Inclusive, temos de nos apressar ou vamos perder a viagem.

– Mas olha só o estado do Hiei, tá um mulambo, só a capa da gaita. Não seria bom a gente dar um tempo pra ele? Pra se recuperar dos seus ferimentos.

Com a mão direita trêmula pressionando o olho ferido, irritado Hiei lhe diz:

– Maldição! Não me venha com suas brincadeiras agora Yusuke, eu vou ficar deformado assim para sempre!

Mas bruscamente quando se vira, Hiei fica frente a frente com Mukuro, e num momento absurdamente desconfortável, ela fita com frieza a sua face. Refletindo em si mesma, a sua condição. Um segundo depois, Hiei a ignora e segue seu caminho, se afastando alguns passos para ficar sozinho.

Retomando a palavra, Kurama lhes diz:
– Tratamos melhor dos nossos ferimentos quando estivermos a bordo. Vamos.

Todavia, quando se preparavam para deixar o local, uma voz surge do meio da multidão e lhes chama a atenção dizendo: – Ei, vocês não vão a lugar algum.

Ao se virarem, todos percebem de que se trata do comandante da fortaleza móvel em que estiveram antes. E ele está acompanhado de diversos Youkais aparentemente muito fortes fisicamente, além de uma multidão de mercadores e moradores locais visivelmente irados que se posicionam ao seu redor.

O comandante volta a dizer em alto e bom tom, sendo ainda mais sério:

– Finalmente encontramos os ratos que me passaram a perna. Aquela espada que vocês me deram era falsa seus cretinos! Pensaram que poderiam sair da cidade depois de toda a bagunça que fizeram por aqui? Vocês vão ter de nos pagar o prejuízo de uma forma ou de outra!

Após essas palavras, centenas de moradores e comerciantes locais começam a se aglomerar ameaçadoramente exigindo justiça. Eles se juntam aos brutamontes liderados pelo capitão, formando uma multidão enfurecida e começam a caminhar lentamente em direção ao grupo.

Neste ponto, já tremendamente irritado e sem paciência, Hiei toma a frente e lhes diz:
– Eu vou dar um fim a vida de cada um destes vermes malditos!

Mas Hiei é agarrado pela cintura por Yusuke, que o carrega comicamente e contra a sua vontade com um único braço, enquanto sai correndo através das ruas da cidade, fugindo deliberadamente da multidão enraivecida enquanto grita:

– Sebo nas canelas, é cada um por si!

Ele não poderia permitir que Hiei fizesse nenhum mal àqueles inocentes. Mas chega a ser engraçado e deveras constrangedor ver que até mesmo Mukuro, outrora rainha do mundo das trevas, também está correndo comicamente dos populares numa versão chibi de si mesma.

Eles chegam à beira do grande abismo que delimita a cidade no exato momento em que o aerodarma, uma grande nave voadora, estava para sair. Todos então precisam dar um belo salto da beira do abismo até a meia-nau para conseguirem embarcar. O que integralmente eles conseguem, menos os youkais comuns que antes os perseguiam. Estes não são capazes de tal proeza, e irritados, acabam ficando por ali mesmo à beira do precipício.

Contudo, antes que desapareçam de vista, o comandante lhes ruge graves ameaças:

– Você sabe que isso não vai ficar assim, não é garoto? Vocês destruíram essa cidade! E aqui no Makai, as dívidas são pagas com sangue. Não tenha dúvidas, o de vocês vai molhar o chão como se fosse chuva.

Mas apesar das ameaças, Yusuke comicamente mostra a língua e o dedo do meio para o comandante enquanto arregala um de seus olhos com a mão oposta antes de gritar em direção à multidão:

– Tenta a sorte garotão! Quer mesmo ver com o que vai se deparar se fizer isso?

No instante seguinte, ele dispara um pequeno Lei-gun contra a estrutura rochosa à beira do precipício, que se despedaça e deixa desprender, rumo ao nada, uma boa quantidade de pedras bem aos pés daqueles que se amontoavam ali. Por muito pouco, alguns deles quase chegam a cair, e um medo aterrorizante toma a face de todos os presentes. Dando meio que por encerrada aquela situação.

A mensagem de Yusuke havia sido clara, e ele imaginava que depois daquilo, ninguém mais os incomodaria. Porém, isto estava muito longe da verdade, pois o ódio no olhar do capitão da Mukade era real.

Contudo, agora, momentaneamente seguros, a viagem pelo Makai poderia continuar sem delongas. Entre novas e exuberantes paisagens, desta vez compostas por rochas flutuantes, repletas de vida e de vegetação, contendo até nascentes de águas límpidas que despencavam no nada alimentando apenas as nuvens, através das vastidões do mundo das trevas.

Mais tarde, naquela mesma manhã, num ponto mais periférico da cidade de Julon, o ódio do capitão viria a tona na forma de uma nova ameaça que surgiria. Quando o youkai que outrora esteve à beira do precipício se achega apressadamente a uma cabana decadente onde funciona uma espécie de taverna local, adentrando por sua porta semiaberta sem cerimonias.

Em seu interior, vemos alguém na penumbra sentado ao balcão. De cabelos pretos espetados e longos, ostentando uma longa capa ornamentada e de nobre tecido, que no passado, poderia ter pertencido a um rei, mas que atualmente, mais poderia ser chamada de farrapo. Em suas costas carrega uma espada longa e de sua cintura, vemos sobressair as correntes de um Kusarigama. Bebendo solitariamente de costas para a entrada como que envergado pelo peso de toda uma existência amargurada por uma vida sofrida.

Reconhecendo-o ali como sendo a pessoa a quem procurava, o capitão lhe chama a atenção dizendo:

– Ryouma, eu preciso que você faça uma coisa pra mim, e desta vez, acho que é você quem irá me pagar. A informação que eu lhe trouxe é algo valiosíssimo! Você não vai acreditar, mas Mukuro foi vista pela cidade.

Antes mesmo que essas palavras terminem de ser ditas, o copo que estava nas mãos do youkai chamado Ryouma é partido em pedaços pela pressão da sua mão. Ele se levanta vagarosamente, quase que em câmera lenta, apoiando suas mãos sobre o balcão que inesperadamente se incendeia. Quando se vira de frente, podemos ver que nos cabelos muito pretos há também uma longa mexa branca ao lado esquerdo da cabeça.

Logo, todo o bar começa a se incendiar e até mesmo os youkais presentes passam a se derreter. Alguns deles fogem quando tudo simplesmente pega fogo. E com o coração acelerado, mas ainda de costas, ele diz a figura que o espera na porta:

– Então é isto, o momento da minha vingança chegou!

Horas mais tarde, a bordo do gigantesco aerodarma, o grupo atravessa as nuvens que encobriam o abismo, e por um bom tempo, nenhum solo pode ser visto a não ser pelas rochas e ilhas flutuantes que adornam os céus das vastas paisagens do mundo das trevas. Se dirigindo para a vila Effigi, eles seguem com sua viagem, deixando a cidade de Julon, onde estiveram anteriormente, cada vez mais para trás.

Kurama e Hiei, agora já todo enfaixado, que se sentaram para sentir o vento no topo da aeronave, aproveitam um fenômeno raro no Makai, uma espécie de entardecer. Em que brechas se abrem entre as nuvens do seu obscuro céu, fazendo com que as regiões abaixo finalmente se tornem iluminadas e claras como o dia, mesmo que por breves momentos. Os primeiros sinais de que há terra firme abaixo deles são vistos quando as fontes de luz alcançam o horizonte.

Noutro ponto da aeronave, Yusuke pondera se há um sol pairando sobre o mundo das trevas como aquele que ilumina o Ningenkai.

Hiei, relaxadamente sentado num beiral qualquer, acusa a Kurama dizendo:
– Você parece estar muito interessado sobre este lugar para o qual estamos indo.

– Mais do que imagina Hiei. Há muito tempo atrás, fui guiado por antigas histórias até Hametsu. Eu meditei sob aquelas ruínas, e contemplei o mal que lá habita. Mas além de não conseguir nada, eu perdi foi parte do que levei. Na ocasião, pelo menos descobri tudo aquilo que “eu não queria mais ser”.

Ainda muito confuso, Hiei apenas reclama:

– Eu nunca entendo esses seus enigmas. Isso soa como conversa fiada pra mim. Afinal, se o que te aconteceu lá foi algo tão ruim, por que é que você está voltando agora?

– Porque hoje eu sei bem quem eu sou. Então quem sabe eu consiga pegar de volta aquilo que tiraram de mim naquele lugar de sombras.

– Tss, você é um péssimo mentiroso, sabe exatamente o que tem lá dentro não é mesmo? Só está escondendo o jogo. Acha que o Urameshi já não está desconfiado também?

Ouvindo isso, Kurama apenas sorri e desvia o olhar pro horizonte. Mudando repentinamente de assunto para desviar sua atenção:

– E quanto a você e Mukuro, vai ficar tudo bem?
– Tss, não enche.

A viagem segue tranquila, até que as sombras tomam conta de tudo à sua volta, como se tivessem passado pelo cair da noite. Oculto pela escuridão, uma figura surge mais à frente acima de um pico de rocha flutuante que se ergue entre as nuvens e fita o aerodarma cruzando os céus não muito longe dali. Ao seu lado, vemos uma pequena aeronave sucateada, supostamente fazendo as vezes de uma veloz moto voadora. Sendo este o veículo que o levou até ali.

O youkai, que já fora noutro tempo visto queimando uma taverna, reafirma sua habilidade de controlar as chamas, ao ser tomado por uma energia esmagadora, que é liberada por ele na forma de um gigantesco Oni, materializado com um dragão enrolado sob seu corpo e pescoço, com a cabeça recostada sobre seus ombros. O gigantesco constructo é completamente composto de chamas negras, sendo ela uma criatura muito semelhante ao Ryutoki das lendas japonesas.

O youkai chamado Ryouma, havia naquele momento invocado das profundezas do mundo das trevas, o próprio rei demônio!

A imensa criatura urra semelhantemente as feras selvagens, fazendo gelar os corações dos tripulantes da lotada aeronave, que pegos de surpresa, não entendem o que pode estar acontecendo lá fora. O Ryutoki então infla seu peito e dispara através de sua boca, um potente feixe de luz e energia, que logo se mostra formado pela pressão do ar e pela própria intensidade das chamas. Era como se ele vomitasse ali toda a sua ira.

Uma grande explosão estremece e põe em chamas toda a aeronave, quando ela é diretamente atingida ainda no ar! Logo em seguida, a criatura faz uma nova investida antes de se evaporar e desaparecer, como se jamais tivesse existido. Este segundo disparo é recebido diretamente mais uma vez pela aeronave, que começa a se desintegrar e a perder altitude!

Incomodado pelo fluxo de queda, Hiei reclama ao ver a calamidade que se forma:
– Mas que droga é essa?

Yusuke, Mukuro e Darla se aproximam de Hiei logo em seguida, e se preparam para o impacto. Mas, longe do grupo, Kurama observa sozinho todo o desespero que se passa quando os motores explodem e a nave é partida ao meio, despencando em pedaços por centenas de metros. Alguns corpos são tragados pelas janelas e vãos da estrutura enquanto outros são consumidos pelas chamas.

A gigantesca aeronave é abatida ao som das gargalhadas de Ryouma e cai vagarosamente em meio a uma floresta estranha, encobrindo quilômetros de vegetação com uma espessa nuvem de fumaça. A outra metade do veículo, ainda se mantém no ar por um bom tempo, até que cai também, formando uma clareira até ser freada pelas rochas.

Após todo o alvoroço, mais tarde, entre os destroços, o grupo de Yusuke começa a surgir e vai se reencontrando aos poucos. Muitos dos sobreviventes feridos se concentram embaixo de uma frondosa árvore sob a luz das chamas tentando decidir o que fazer.

Frustrado, Urameshi se questiona:
– O que diabos foi isso? E acabamos perdendo a nossa carona. Para onde a gente vai?

Ao que Mukuro lhe diz:

– Ora, para a vila Effigi. Ela fica perto daqui, à apenas meio dia de caminhada se seguirmos naquela direção. Como não temos outra escolha, teremos de ir a pé.

– Entendi, mas não seria melhor esperarmos clarear um pouco? E cadê o Kurama hein galera?

Darla começa a chamar pelo nome de Kurama juntamente com Yusuke, enquanto os outros o procuram em silêncio em meio aos destroços. Como não obtiveram sucesso ali, eles começam a procurá-lo através da mata durante algum tempo. O grupo para apenas por breves momentos para comerem alguns frutos maduros, que Yusuke acaba não gostando muito, pois o sabor das frutas do Makai não era adocicado ao paladar humano.

Sem sucesso, eles se reagrupam mais uma vez e Hiei é o primeiro a falar:
– Não está em lugar algum por aqui.

– “Terá se perdido na floresta? Está tudo tão escuro.” Questiona Darla.
– “Morrer ele não morreu. Deve estar por aí.” Diz Yusuke com firmeza.

Ao que Mukuro propõe:

– Provavelmente ele vai seguir em frente, em direção à vila Effigi. Nós deveríamos fazer o mesmo, e nos encontrarmos com ele lá.

Confiantes de que a queda jamais mataria alguém como Kurama, é exatamente isso o que eles pretendem fazer logo que aquilo a que chamamos de dia no Ningenkai, amanheça. Seguindo em frente, rumo ao seu destino. Por hora, eles se contentam apenas em acampar nos arredores da aeronave caída.


Naquele mesmo instante, noutro ponto da mata, muito distante dali; nos deparamos com Kurama caminhando em meio à floresta escura. Ele percebe um ponto de luz mais à frente e conclui que pode vir de uma pequena fogueira acesa. Mas antes mesmo que chegue até ela, Kurama é subitamente atacado por uma das criaturas da noite.

Uma série de apêndices delgados e flexíveis, compostos de tecido muscular e recobertos por mucosa, surge repentinamente das árvores e se lançam contra Kurama, tentando imobilizá-lo ao enrolar seu tronco e suas mãos. Usando uma simples folha comprida como espada, ele as ceifa num único corte antes mesmo de ser atingido. Não demora muito até que Kurama entenda que cortou algumas das diversas línguas que possui a monstruosa criatura.

A hedionda abominação que estava oculta nas árvores, finalmente aparece para ele. Mas não é possível ver muito mais do que suas garras e dentes em meio a toda carne retorcida e disforme que a compõe. A boca da criatura se abre, e se desenrola sobre si mesma, apresentando novas fileiras de dentes no momento em que se prepara para tentar devorar Kurama.

Mas desta vez, antes que pudesse reagir, Kurama apenas testemunha o inesperado: Em apenas alguns segundos, a pele da criatura fica repleta de bolhas, frita e se contorce, enquanto é consumida por chamas até desaparecer. O medonho grunhido da monstruosidade ecoa até que ela se desintegre totalmente. E este som só é abafado pelo grito despendido de seu atacante que surge das sombras dizendo:

– Chamas negras mortais!!!

Por cerca de dois segundos, Kurama chega a pensar que se tratava de Hiei desferindo seu mais poderoso ataque. Mas ao observar atentamente, ele percebe que o youkai manipulador de chamas à sua frente, era uma outra pessoa.

Iluminado pela criatura em combustão, Ryouma finalmente se revela. Eles se observam com frieza por um tempo, sem saber se podem confiar realmente um no outro, ainda mais, tendo eles se encontrado assim no meio da noite. E por breves momentos fica a impressão no ar de que eles vão se atacar até que a tensão que se formou, rapidamente desaparece quando um deles quebra o gelo ao dizer:

– Está tudo bem amigo? Acho que este aqui não vai mais te incomodar.
É o que diz Ryouma, demonstrando uma aparente e sincera preocupação.

– “Está sim. Obrigado pela ajuda.” Responde Kurama ainda com certo receio.
– Que bom. O que você estava fazendo num lugar como este?

– Bem, a nossa aeronave caiu em meio à floresta. Creio que fomos atacados por alguma criatura até que por fim os motores explodiram. Eu estou procurando pelos meus amigos, temo que tenha me perdido deles. O meu nome é Kurama.

– “Ah, entendo.” Diz Ryouma de maneira mais apática agora, percebendo que o youkai à sua frente se tratava de um dos sobreviventes da aeronave abatida por ele. Ele tenta então disfarçar e como se houvesse ali uma pequena pitada de remorso pelo que fez, ele lhe diz:

– Infelizmente não sou nenhum deles, como você pode ver. Mas creio que possamos sim nos tornar bons amigos. Venha, venha comer comigo.

Ryouma estende uma de suas mãos e o cumprimenta, ainda com estranheza ao vê-lo sozinho em lugar tão ermo. Quando Kurama o questiona:

– Mas e você, o que faz sozinho aqui?
– Eu estou acampado bem ali, olha lá.

Ryouma aponta para uma fogueira acesa em meio às árvores, onde peixes transpassados por varas e algumas batatas estão sendo assadas próximos a ela, com alguns troncos cortados espalhados à sua volta como num acampamento. Kurama então percebe que aquele era o local iluminado visto anteriormente em meio à escuridão para o qual ele se dirigia antes.

O youkai então prossegue dizendo:

– Venha, fique comigo. Será mais seguro caminhar por aí quando estiver mais claro. Há muitas coisas perigosas e que podem te matar a qualquer momento espreitando por esta floresta. Vai por mim, eu conheço este lugar como a palma da minha mão.

Ignorando a força dessas palavras, Kurama aceita a oferta daquele que o ajudara, e o acompanha até o acampamento. Ele se senta em um dos troncos e logo Ryouma pega um pequeno cantil que estava enrolado em seu dorso, oferecendo uma bebida à Kurama, que a recusa. Eles ficam ali por algum tempo, e sob a claridade das chamas, Kurama finalmente pode observar melhor os detalhes de sua fisionomia, e passa a ser incapaz de negar as semelhanças entre ele e o seu amigo Hiei.

Curioso, ele não se aguenta e o questiona:
– Você sempre viaja assim, sozinho?

– Sim meu amigo, na verdade, já faz muito tempo que eu estou sozinho. Ah e desculpe, eu nem me apresentei a você, o meu nome é Ryouma. Mas talvez me conheça de outra forma, visto que outrora, em tempos imemoriáveis que ficaram no passado, eu já fui conhecido como “o rei demônio”.

– O rei demônio?! Da porção 13? Ouvi histórias sobre você. Que possuía um castelo milenar cravado na rocha no Leste e um poderoso exército sob seu comando.

– Ha ha, vinte mil homens. Conquistamos vastos territórios e construímos um império. Mas isso foi há muito tempo. Hoje sou apenas um youkai decadente. Não me restou nada destes tempos de glória a não ser muita dor e o orgulho ferido.

– Entendo. Eu não sei o quanto isto é pessoal e importante para você, mas se importaria de me contar um pouco da sua história? Eu estou curioso, como alguém poderoso como você chegou onde está Ryouma?

– He, pelas ironias da vida meu amigo. Hoje sou apenas uma sombra do que já fui, vivendo entre aqui e ali como um nômade, mas não faz nem cem anos, eu era temido e governava com mãos de ferro uma terra rica com um imenso castelo esculpido nas montanhas. Era um lugar belíssimo, e impenetrável ... bem, foi nisso que eu acreditei por muito tempo.

– O que quer dizer?

Já transparecendo a construção de certa intimidade entre eles, Ryouma lhe diz:

– Com todos os meus inimigos derrotados, eu vivi muitos anos de paz. Isso me deixou altivo, confiante demais nas minhas habilidades como guerreiro e nas minhas estratégias. Não percebi a calamidade que batia em minhas portas e acabei por negligenciar os meus deveres como rei.

– Creio que não entendi. O que houve?

– Eu me apaixonei. He He, uma distração que eu não poderia ter deixado acontecer. Tudo começou num belo dia, quando um de meus subordinados avistou Hyouga, o país flutuante, adentrando em minhas fronteiras. Já ouviu falar?

Consigo mesmo, Kurama pensa:
– Hyouga? Isto está ficando interessante.

– Era um lugar decadente, habitado apenas por mulheres, um alvo fácil eu pensei. Intentando atacá-lo, resolvemos fazer primeiro uma sondagem, mas na ocasião, próximo a um rio que descia das geleiras, acabei conhecendo uma doce donzela do gelo chamada Hina. Ela era diferente de todas as outras que havíamos observado de longe até então, não carregava aquela dor inconsolável das donzelas, pelo contrário; como o sol, parecia ter seu próprio brilho quando sorria. Em apenas algumas conversas, eu já estava perdidamente atraído por ela. Descobri que ela tinha esperanças de que aquele lugar poderia vir a ser melhor um dia, e decidi desistir do ataque para não acabar com seus sonhos. Até por que, não havia nenhum tesouro ali que pudesse me interessar.

Com uma expressão engraçada, Kurama pensa consigo mesmo:

– Vejo que ele não sabe nada sobre as lágrimas das Koorimes. Talvez tenha sido melhor assim.

Continuando o que dizia, Ryouma lhe conta:

– Nós passamos a nos encontrar às escondidas e a viver um amor proibido. Tenho certeza de que ela também me amava, mas como acreditava nos ideais das Koorimes, por um bom tempo relutou em partir. Ela não desejava deixar suas irmãs, temia ser descoberta e muitas vezes até me pediu para ir embora. Mas creio que já era tarde para nós dois. Um já não poderia mais viver sem o outro. E infelizmente para mim, o futuro só reservaria dor.

– Então, foi neste ponto que tudo aconteceu?

– Foi, foi sim. No meu último encontro com Hina, ela me disse que estava esperando uma criança e que finalmente estava disposta a partir. Este deveria ter sido o melhor dia de toda a minha vida, mas não foi. Como eu lhe disse antes, distraído por este amor proibido, negligenciei meus deveres como rei. Um de meus soldados chegou de repente até mim e às pressas, em meio à conversa que eu estava tendo com Hina me deu informes que eu jamais esperei receber. Eu havia ignorado o que diziam os meus conselheiros por tempo demais, e não me preparei devidamente para a aproximação dos exércitos de um novo e poderoso inimigo, nem considerei a verdadeira força da abominação que os liderava.

– Então vocês foram atacados.

– Sim, como nunca antes. Diante daquele confronto iminente, eu disse a Hina que ficasse em Hyouga só por mais um tempo, pois eu voltaria para buscá-la. E corri para defender meu reino. Mas a guerra se arrastou por meses a fio, nós até que resistimos sem muitas baixas até que inevitavelmente, meu castelo ruiu diante do poder daquela execrável rainha.

– Espera um pouco, de quem você está falando?

– De Mukuro. Aquela monstruosidade derrubou nossos portões de pedra, que estavam de pé ali a mais de mil anos. Ela varreu minhas tropas com seus exércitos e massacrou todos eles. Lutamos até que só restou um punhado de nós. Mas mesmo encurralado e humilhado, meus últimos pensamentos não eram em outra coisa senão na donzela. Eu queria sobreviver apenas para ser capaz de vê-la uma última vez. E assim o fiz, eu consegui escapar, só não me pergunte como. Pois naquela altura eu já estava cego diante da grande matança que houve durante aquela batalha.

– Então você escapou? Isso certamente deve ter sido algo impressionante. Imagino que foi o mais rápido possível atrás de Hina.

– Fui sim, mas tive que buscar o país das geleiras por anos, pois naquele meio tempo em que eu estive envolto na batalha, Hyouga havia se movido para longe de minhas antigas fronteiras, obviamente, sem deixar rastros. E talvez tivesse sido até melhor se eu nunca o tivesse reencontrado.

– Como assim?

– Quando eu encontrei o país flutuante novamente, uma velha anciã que abordei quando esta estava sozinha, me disse que Hina havia morrido logo após o parto. Aparentemente, tinha sido muito estressante para seu corpo carregar em seu ventre e alimentar com seu próprio sangue, um youkai de fogo, sendo ela, uma donzela do gelo. A criança em si nasceu envolta em chamas.

– Espera um pouco aí, essa criança ...

Distraído pelas lembranças, Ryouma nem percebe a reação de Kurama e segue com sua história dizendo:

– A minha dor naquela altura já era incurável, eu havia perdido tudo, mas a velha ainda por cima me disse que a criança fora atirada contra as rochas do despenhadeiro que se estende nos limites do país flutuante e que com isso, morreu. Ela até tentou me explicar que isto havia sido necessário para preservar a segurança das donzelas, mas já nem sei mais o seu porquê. Pois eu a matei ali mesmo, e só não destruí todo aquele país naquele mesmo instante por que fui tomado por uma dor imensa e grande desilusão. Uma dor que me acompanhou por anos, destruindo minha vida. E é por isto que desde então eu tenho vagado sem rumo, vivendo um dia de cada vez.

Diante dessa história tão absurdamente emocionante e relevante, Kurama não pensa direito nas consequências de seus atos e não se contem. E com isso, acaba por revelar algo muito importante para Ryouma:

– Escute Ryouma, eu sei que vai ser difícil para você acreditar no que eu vou lhe dizer, mas eu já ouvi partes dessa mesma história antes. Na verdade, eu já não tenho nenhuma dúvida de que um dos meus amigos que está perdido nesta floresta é o seu filho. É isso, o seu filho não morreu naquele dia.

Levantando bruscamente, Ryouma parece irritado e lhe pergunta:
– O que está dizendo? Que espécie de brincadeira é essa agora?

– É a mais pura verdade. O seu nome é Hiei e ele inclusive, manipula as chamas negras mortais tal como você as manifestou para massacrar aquela criatura mais cedo. Eu na verdade te pedi para você contar a sua história apenas por que já estava desconfiado disso. Afinal, a semelhança física entre vocês dois chega a ser desconfortante.

– Isso não é possível, como o bebê poderia ter sobrevivido à queda?
– Bom, quando o conhecer, você perceberá que ele é bem cabeça dura.

Absorvendo aquelas informações, Ryouma parece começar a acreditar no que lhe fora contado. E ainda em choque, replica as palavras de Kurama dizendo:

– Não, eu não posso vê-lo. Não sei nem o que lhe diria.

– Não seja bobo, ah e tem mais uma coisa que eu preciso lhe falar: Ele não é o único filho que você possui, pois ele tem uma irmã. Uma donzela do gelo gerada no mesmo ventre chamada Yukina.

– O quê? Como isso é possível? Espere, é isso mesmo? Nascidos gêmeos? Por que aquelas malditas desgraçadas não me contaram nada sobre a garota quando estive lá?

– Pelo que eu sei, apesar de rejeitarem o menino, as donzelas consideraram Yukina uma igual. E cuidaram dela durante toda a sua vida. O que não a impediu é claro, de descobrir a verdade sobre elas e com o tempo, a passar a odiar sua terra natal.

Ryouma parece estagnado com a montanha russa de emoções que sofreu e se senta um pouco, ainda atônito. Mas nada poderia lhe preparar para o que viria a seguir, pois este breve momento de felicidade chegaria ao fim e tudo desmoronaria quando Kurama finalmente lhe dissesse que:

– Só que tem mais uma coisa que eu preciso lhe contar, infelizmente temo em como você possa reagir a essa nova notícia.

– Desembucha logo cara! Olha pra tudo o que você me contou. Nada do que me disser poderá mudar o que eu estou sentindo.

– Na verdade é este o problema, talvez mude tudo. Mas vamos lá: Apesar do Hiei não falar sobre isso abertamente, já ficou claro para todos à sua volta que Mukuro se tornou uma pessoa muito querida para ele, se é que você me entende.

E neste instante, não leva mais do que alguns segundos para que o mundo de Ryouma desabe e leve consigo toda a esperança construída novamente. Havia ali um grande dilema, e o choque em descobrir que seu filho amava a mulher que devastou seu reino e tomou tudo de si. Isto então o enfurece de modo que jamais ocorrera antes. Consumido pelo desejo de vingança, Ryouma se agarrou durante muitos anos à possibilidade de poder matar Mukuro com suas próprias mãos um dia. Estava obcecado por isso e foi à única coisa que lhe possibilitou viver durante todos estes anos.

Mas agora, sabendo que ela estava em algum lugar daquela densa floresta, nada mais iria impedi-lo de concretizar seu desejo de vingança. Visto que esta era talvez, a sua única chance. À essa altura, ele se via incapaz de construir um elo com seus filhos, mas ainda poderia sim, matar aquela que ceifou todos os seus sonhos.

Kurama então observa o momento em que a expressão na face de Ryouma muda completamente e ele lhe diz com extrema frieza:

– Não, eu tenho que matá-la. Eu vou matar Mukuro.

Vendo que havia dado merda, Kurama tenta acalmá-lo, mas sem sucesso. Ele o agarra pelo braço e tenta mantê-lo ali. Enquanto Ryouma luta para se desvencilhar, Kurama lhe diz.

– Espera um pouco Ryouma, não vá fazer nenhuma besteira. Você precisa acalmar seus ânimos. Desculpe-me, foi erro meu jogar tudo isso em cima de você assim de uma só vez, eu agi sem pensar.

– Não, nada irá me impedir, está ouvindo? Nada!

Ryouma consegue se soltar e desaparece rapidamente em meio ao breu que cobre à floresta. Kurama o persegue, mas logo perde seu rastro. Ele já não podia fazer mais nada agora, e frustrado, bate sua mão com força nos arbustos à sua volta, arrancando algumas de suas folhas, enquanto pondera sobre os graves erros que tem cometido; primeiro com Shizuru e agora com Ryouma.

No que se entende como o dia seguinte, mediante o céu claro que vemos resplandecer do horizonte, vemos o grupo de Yusuke passar por um vale alagadiço em meio às montanhas, onde um faminto e gigantesco Oni é atraído pela presença de Yusuke que parte em sua direção dando uma espécie de alongada matinal nos ombros.

– Finalmente apareceu alguma coisa em que eu possa bater. Tô cheio de stress hein. Então é hora de extravasar!

De maneira brutal, ele parte para cima do Oni e salta com ferocidade, golpeando seu peito com pura violência. A monstruosa criatura se desequilibra e cai, sem que possa expressar muita reação. Sem entender direito o que aconteceu, Yusuke também cai, mas sobre ele. E irritado, começa a chutar várias vezes a criatura enquanto grita:

– Tá de sacanagem comigo? Poxa vida, eu apenas comecei! Levanta pra apanhar aí seu saco de estrume! Que droga, eu odeio sujeitos como este que só tem tamanho, mas não aguentam nada.

Neste mesmo momento, Hiei observa pelo olho que não está enfaixado, algo imenso surgir entre as montanhas e se mover ao longe. Uma criatura demoníaca, envolta por um dragão de fogo acabara de ser invocada diante de seus olhos. Com certo espanto e pausadamente, ele diz em voz alta:

– Mas que droga é aquilo?

Yusuke, então, também atém sua atenção para as montanhas, onde vê a gigantesca criatura de chamas erguer-se muito além da altura das árvores. Ela apoia uma de suas mãos num dos declives do morro, causando um forte tremor e queimando o arvoredo entre seus dedos. E em seguida, deixa que sua mão oposta toque o topo do elevado relevo, causando um pequeno desabamento de rochas também em chamas.

O grito estridente da criatura conhecida apenas como “o rei demônio”, apenas antecipa o que está por vir. Pois tomando fôlego, ele alimenta ainda mais as chamas que compõem seu interior e libera toda a pressão que repousa em seu âmago num disparo massivo de energia que vai em direção ao grupo. O feixe de luz disparado é tão rápido que distorce o ar quente à sua volta. E num milésimo de segundo, chega ao seu alvo.

Mukuro, porém, intercepta tão poderoso ataque de maneira absurdamente simples. Ao brandir uma de suas mãos verticalmente no ar, de baixo para cima num único e sutil movimento, que corta o espaço dimensional e divide o feixe em combustão em duas direções. Enquanto o intenso fluxo de chamas passa pela esquerda e pela direita, o grupo se mantém totalmente seguro no meio.

A destruição causada pelo ataque é gigantesca! Vemos duas crateras se estenderem como uma trincheira até o horizonte e a floresta ficar em chamas. Junto à enegrecida fumaça, muita poeira também é dispersa no ar. Mas mantendo-se imóveis, o grupo permanece inatingível até que o ataque cesse e a criatura se desfaça.

Yusuke fica enojado diante da metade queimada do Youkai que o atacara antes, e que fora partido ao meio pela última investida sofrida. Ele tapa sua boca e nariz evitando o vômito, enquanto Mukuro fita o local de onde veio o ataque com severa fisionomia.

E dando o que pareceu ser apenas dois passos à frente, ela simplesmente desaparece diante dos olhos de Yusuke e Hiei, percorrendo os quilômetros de distância que separa ela de seu atacante, em apenas um segundo.

Ficando evidente que uma nova e violenta batalha estava prestes a começar.

Fim do episódio.
Eu não conheci o outro mundo por querer!

Eu sei que meu coração, agora dói ...

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