sexta-feira, 26 de maio de 2023

20 - ETERNAMENTE YU YU HAKUSHO

EPS – 20 CIRCUNSTÂNCIAS EXTREMAS

No obscuro firmamento do mundo das trevas, outrora tão límpido, eis que se erguem densas e carregadas nuvens que se deslocam ao sopro gélido do vento. Sendo ainda entrecortadas pelo clarão de relâmpagos diversos que agem como prenúncio iminente da aproximação de mais uma sombria tempestade através dos sons de seus sibilantes trovões.

No interior de uma imensa tenda de couro, tão ampla quanto o átrio de um templo, sustentada por pilares esculpidos em grandes e imponentes ossos e adornada por uma exuberante tapeçaria confeccionada primordialmente com peles de animais, o nosso herói, Yusuke Urameshi, finalmente desperta após o longo sono que o acometeu subitamente quando desfaleceu diante de todos.

Ainda trêmulo e suando abundantemente, ele se sente desorientado e tonto, porém, determinado a se levantar. Inicia então uma ascensão abrupta, esforçando-se para encontrar familiaridade no ambiente circundante, a fim de se situar. Mas acaba caindo.

Vendo a cena, o velho Hiroshi o ampara e lhe diz serenamente e com calma:
– Não se levante meu jovem. Você ainda está muito enfraquecido.

Ao que gaguejando enquanto tenta abrir seus olhos, Urameshi lhe pergunta:
 Hi … Hiroshi? O quê ... o que aconteceu? Por quanto tempo eu dormi?

– Você apenas perdeu a consciência enquanto conversávamos, contudo, ficou desacordado por dois longos dias.

– Dois dias?! Mas que droga! É este maldito lugar, está mexendo comigo desde que atravessamos o portal. O miasma aqui é ainda mais denso do que nas camadas superiores. Só pode ser isso.

 Não, o miasma não afeta a youkais, isto é efeito do estigma dos reis, é ele quem lentamente te consome e o está matando. Eu sinto muito em ter que lhe dizer isso, mas você está muito próximo do fim. Precisa controlar este desenfreado poder agora enquanto ainda há tempo, ou ele irá consumir você. No estado em que te encontras, nem mesmo sei se haverá um amanhã. Permita-me ajudá-lo filho de Raizen. Eu posso educá-lo no controle desta força, ser o seu guia.

Conhecendo a si mesmo e compreendendo a gravidade da situação e seu estado lamentável, Urameshi respirou fundo e soltou um suspiro lento, finalmente decidindo aceitar a ajuda oferecida. Sua concordância foi confirmada por um discreto aceno de cabeça.

A partir desse momento, não se passou muito tempo até que os preparativos para uma sessão de meditação guiada fossem realizados. Yusuke primeiro tomou um banho e reapareceu vestindo novas roupas, mais especificamente um quimono para a prática de artes marciais, semelhante ao que ele usou durante o torneio pelo trono do Makai.

Com tudo devidamente organizado e preparado, eles se encontraram no interior do salão, onde Kurama já o aguardava para desejar-lhe boa sorte. Eles não chegam a trocar maiores palavras, pois logo Yusuke se senta no chão, tendo a sua frente o velho Hiroshi, que não perde tempo e concentra fortemente as suas energias nas pontas dos seus dedos. Em seguida, lhe toca o peito, compartilhando com Urameshi a sua própria força vital.

Dali em diante, um intenso treinamento envolto em inabalável meditação estava para começar.

Lá fora, após algumas horas caminhando pelas ruas do vilarejo, Mukuro e Hiei ficam incomodados com os olhares desconfiados daqueles que os julgavam constantemente mesmo sem conhecê-los, visto que frustrando todas as suas expectativas, Yusuke havia deixado uma verdadeira má impressão.

Dito isto, a tribo Mazoku não lhes estava sendo muito receptiva naquele momento, a não ser por um ou outro Youkai que descaradamente lhes sorria, mas que logo distorcia completamente suas suas expressões faciais, deixando transparecer todo o seu descontentamento e desagrado, causando desconforto.

Apenas algumas poucas crianças que os observavam passar pareciam agir de maneira natural e sincera, acenando para eles ou oferecendo-lhes brinquedos. No entanto, até mesmo esses pequenos gestos eram suprimidos por seus preocupados progenitores.

Expressando sua total insatisfação e escárnio, Hiei chega a dizer:
– Tss, que lugar desprezível.

Mas permanecendo calma, controlada e serena, Mukuro tenta apaziguar a situação:

– Eu já estou acostumada com esse tipo de recepção hostil. Sempre há alguém me olhando com preconceito e desconfiança. Foi assim durante toda a minha vida e em pelo menos metade dos lugares pelos quais já passei. Não deixe que isso te abale. Estamos aqui em busca de respostas e possíveis alianças para a iminente batalha, mesmo que signifique enfrentar olhares inapropriados e maliciosos.

– Eu não ligo para esses idiotas. Mas é melhor eles pararem de me encarar desse jeito.

Mukuro percebe que a cicatriz em seu rosto e o olho esbranquiçado de Hiei ainda lhe causavam certo incomodo, então, mudando de assunto, Mukuro lhe diz:

– Há algo que eu gostaria de te mostrar, um presente que me foi dado pelo ferreiro Mazoku chamado Tsujimura.

Mukuro, então, levanta seu braço direito e revela uma nova e sofisticada prótese mecânica feita de um metal completamente negro e reluzente. Em seguida, ela flexiona os dedos da prótese com facilidade, e desfere alguns golpes rápidos, demonstrando um controle perfeito sobre ela.

Hiei, a princípio, olha para a prótese com interesse, mas seus olhos logo se estreitam comicamente quando ele percebe as intenções de Tsujimura que estão por trás deste presente e lhe diz:

– Esse youkai quer apenas flertar com você.

Mukuro sorri discretamente, apreciando a seu modo o discreto ciúme de Hiei e lhe diz:
– Apesar de suas intenções serem indesejadas, o que ele me ofereceu será muito útil.

Neste momento, eles são interrompidos por Tsujimura, o youkai da tribo Mazoku com quem haviam se encontrado anteriormente e do qual estavam falando. Ele se aproxima com um sorriso no rosto, olhando para Mukuro de forma simpática e descaradamente interesseira, lhe diz:

– Vejo que você está usando a prótese mecânica que lhe ofereci. Ela estava guardada há tempos e fiz apenas alguns ajustes, mas tenho certeza de que ela vai melhorar consideravelmente as suas habilidades de combate. Pois este sofisticado braço mecânico foi feito de um material raramente encontrado no mundo das trevas: Uma liga de Iridium com aço negro, semelhante ao utilizado na armadura de nosso antigo rei, Daito. É sem dúvida alguma, uma verdadeira obra-prima. Assim como você ...

Hiei observa sua atrevida abordagem e com certa desconfiança, lança um olhar de desdém para o braço mecânico, depois sorri e de forma nada contida diz grosseiramente a Tsujimura:

– Humff, que piada. Ela não precisa de uma prótese mequetrefe como essa para mostrar sua verdadeira força. Por acaso não sabe quem ela é? Essa é Mukuro.

Irritado, o mestre ferreiro o encara e replica:
– Hã? O que foi que você disse sobre o meu belíssimo trabalho?

Interrompendo a discussão, Mukuro toma a palavra dizendo:

– Agradeço sua generosidade, Tsujimura, mas não tenho interesse em seus avanços. Espero que compreenda claramente meus limites. Aceitei seu presente de bom grado, mas minhas habilidades não dependem realmente disso. Sinto-me completa do jeito que sou.

Ouvindo isso, Hiei disfarça, mas olha para Mukuro com certa admiração. Como era possível aquela mulher ser tão forte, tanto física quanto emocionalmente, apesar de tudo o que já viveu? Não era de se admirar que no passado, muitos foram tocados pela grandeza que ela inspira e a seguiram.

Tsujimura pareceu um pouco descontente com a rejeição, mas rapidamente esboçou um sorriso amarelo e se afastou ao perceber que seu flerte não tinha eco em Mukuro. Por fim, ele apenas lhe disse antes de sair:

– Só … faça bom uso dela. A última pessoa que a utilizou, já não está mais neste mundo. E ela significava muito para mim.
Novamente sozinhos e sentindo os olhares desconcertantes, Hiei tenta mudar o foco da conversa ao dizer:

– Por quanto tempo ainda teremos que ficar aqui?
– Pelo visto, não muito. Veja aquilo.

Mukuro, então, aponta para uma coluna de luz que emerge da tenda de Hiroshi, elevando-se abruptamente até o céu, e ultrapassando inclusive, a altura das nuvens. Uma energia dourada e intensa, tão poderosa que seria extremamente difícil de ser controlada até mesmo por ela.

Após presenciarem isso, eles correm e se aproximam da entrada da tenda onde está Urameshi, mas se deparam com Darla recostada na soleira da porta, montando guarda e já à sua espera.

Hiei então lhe questiona:
 O Yusuke finalmente acordou?

Ao que ela responde:

– Sim, mas seu tempo é curto. Ele agora está tentando controlar aquela energia.
– E o que devemos fazer agora? Pergunta Mukuro.

Ao que Kurama, saindo do interior do recinto apenas lhe diz:
– Agora esperamos. E torcemos para que tudo dê certo.

Mas no interior da câmara, as coisas não iam se dando nada bem. Sentados frente a frente na posição de lótus, enquanto um gigantesco pilar de luz dourada se ergue a partir dos corpos de Yusuke e de Hiroshi, se estendendo até o nebuloso céu, testemunhamos o jovem agonizar e tremer diante do intenso fluxo de energia com o qual está lidando.

Naquele momento, Yusuke experimenta dores e uma agonia terrível, de tal maneira que não vivenciava desde que sua velha mestra Genkai transmitiu-lhe a suprema doutrina anos atrás. Toda aquela força parecia sobrecarregá-lo, era demais para ele, e sobre a sua pele, Urameshi manifesta involuntariamente as marcas tribais que já apresentou noutras ocasiões.

Em breves lampejos, quando os picos de energia atingem níveis impressionantes e estão altamente elevados, a sala passa a ficar toda eletrificada, e vemos algo novo e surpreendente acontecer: Mesmo que apenas por alguns segundos, Yusuke domina toda aquela força monstruosa que o estava consumindo e ele sofre uma nova transformação!

Suas vestes e os seus cabelos se tornam completamente brancos, respectivamente, com sutis tons de azul e prateado, e seu semblante torna-se verdadeiramente aterrador. Seus olhos, agora amarelos, são circundados por uma esclerótica negra, e uma inscrição idêntica àquela que marcava o rosto de Raizen, surge em sua face esquerda. Uma inscrição que na antiga língua Mazoku significa: "Toshin".

Naquele momento, Yusuke é aterrorizado por diversas visões do que há no abismo. Em sua mente, ele vê passarem muito rapidamente, as vastas paisagens que o separam das ruínas que circundam a entrada de Hametsu. Ali, agora sozinho e de costas, vemos Uragami notar a presença de algo que passa atrás de si. Ele chega a olhar diretamente para Yusuke, mas nada vê à sua frente. Fica preso apenas à estranha sensação de que havia uma presença naquele local.

Em seguida, sua consciência novamente navega e desliza, adentrando naquela terrível escuridão, até que de repente, ele se vê diante da estranha presença de algo que está oculto nas sombras, alguém que está aprisionado ali dentro a séculos. Este youkai, sentado em um trono desgastado de pedra, apenas lhe sorri de maneira macabra, como se já o estivesse esperando.

E em êxtase ao vê-lo conseguindo lidar com aquela força lhe diz:
 Agora não, mas muito em breve eu o verei.

Pouco depois, Yusuke é arrastado novamente para longe e imerge em visões que transcendem qualquer coisa que ele já tenha presenciado até agora. Entre as brumas, a figura de um decadente castelo em ruínas, repleto de caveiras e formas distorcidas se ergue. E onde aquela abominação arquitetônica toma forma, um simplório velhinho com inúmeras marcas tribais em seu corpo apenas o observa passar com curiosidade enquanto mantém suas mãos voltadas para trás, apoiando-as em suas costas.

Mas, arrastado de volta à realidade, percebemos que infelizmente para Yusuke, era impossível naquele momento lidar com tanto poder. Em extrema agonia, ele grita e finalmente fraqueja, passando a lutar desesperadamente para não ser destruído por ela.

O mestre Hiroshi também se esforça, tentando ajudar a conter aquela força, liberando-a gradualmente, enquanto incentiva Yusuke a não desistir. No entanto, já era tarde demais, Urameshi estava muito longe de conseguir dominar completamente aquela força imensurável. E num único segundo, então, abruptamente todo aquele poder imenso simplesmente desaparece, se dissipa e se dispersa pela vila como se fosse uma poderosa rajada de vento ou uma estridente onda de som.

Completamente exausto agora, Yusuke desfaz a transformação, volta ao seu estado normal e cai de joelhos no chão, onde reúne as poucas forças que ainda possui para dizer:

 Não dá, eu não consigo. Eu desisto velho. Ou vou morrer se continuar tentando.
 Não, isto só vai acontecer se você deixar de tentar. Vamos novamente.

Hiroshi tenta apoiar a mão sobre seu ombro, num gesto de apoio, mas com um olhar enfurecido, Yusuke o empurra e lhe diz com furor:

 Não está entendendo velho caduco? Já acabou, droga! Eu não aguento mais!

Urameshi apoia suas duas mãos contra o chão, e de cabeça baixa, soa como se tivesse entregado os pontos e desistido da vida. Parecia até que ele iria chorar. 

É neste momento que o velho Hiroshi parece entender que ele havia chegado ao seu limite, e que não tinha mais nada a ser feito. Yusuke não seria capaz de dominar aquela força e sua tribo jamais tornaria a viver naquele glorioso paraíso que existiu outrora.


Com os pensamentos a mil neste momento, Hiroshi o observa de cima pra baixo e sendo hesitante, toma uma grave decisão. Ele, então, lhe diz de maneira totalmente atípica, como se revelasse um segredo que deveria ser mantido escondido:

 Existe um jeito ... de “expurgar” essa coisa de dentro de você.
 O quê!?

Como se recuperasse toda a sua esperança, Yusuke se vira bruscamente em sua direção e enquanto se levanta, o questiona:

– O que foi que você disse? Como assim velho, do que você está falando?

 Há uma maneira de extrair o estigma. De tirá-lo de dentro de você definitivamente. Contudo, é algo arriscado demais e eu sinceramente não posso garantir a sua segurança.

Urameshi o agarra com força pelas vestes que lhe cobrem o peito e exclama:

 Corta essa velho, com esta coisa dentro de mim eu já estou com os dias contados. Se é a minha vida que tá em jogo, quem decide sou eu, e eu quero tentar. Quero isto fora do meu corpo pra ontem, tá me entendendo? E então, o que está esperando?

 Eu ... eu não sei se devo. Como eu lhe disse, é muito arriscado para você, mas também, será arriscado para mim. Eu estou velho demais, talvez se eu fosse forte como a jovem Darla. Quem sabe ela até possa nos ajudar. Mas não sei nem mesmo se ela será capaz de fazer isso Além disso, há mais uma coisa ...

 Que coisa?! Desembucha tudo logo velho.

Pressionado por Yusuke, o mestre Hiroshi parece esconder algo importante e tenta contornar a situação dizendo apenas que:

 Um pequeno erro e nós faremos com que esta força desapareça para sempre.

Finalmente entendendo os sentimentos de Hiroshi, Yusuke muda completamente de postura e lhe solta a gola das roupas. Logo em seguida, ele lhe diz com calma e pausadamente:

 Olha velho, me desculpa por tê-lo decepcionado. Por ter decepcionado a todos. Eu sei que você contava comigo para reabrir Hametsu e devolver o propósito do seu clã. Mas infelizmente eu não posso ficar por aqui. O Makai não é o meu lugar. Primeiro que eu não ia ser um bom rei, vai por mim. E outra que tem alguém lá em casa me esperando. Uma pessoa a quem eu verdadeiramente não posso mais decepcionar. Faz tempo que vocês estão por aqui, na escuridão, remoendo o seu passado e tentando trazer de volta o paraíso que existia antes. Mas olha só, acho que chegou a hora de sacudir a poeira e se mudar, é hora de deixar tudo para trás e seguir em frente ... buscar novos ares.

 Não, não é tão fácil assim para nós. Estamos enraizados neste lugar a séculos.
 Para com isso vovô, não seja eternamente refém do seu passado.

Com um olhar abatido, Hiroshi entende que Yusuke tem seus próprios motivos para recusar sua proposta, mas mostrando-se bastante apreensivo e desanimado, ele esfrega sua mão direita contra a própria testa com preocupação. Ponderando se ele deve fazer o que precisa ser feito, mesmo que isto desonre sua boa índole. O que deixa claro que ele está escondendo alguma coisa.

E como se carregasse o peso do mundo em suas costas, toma uma difícil decisão:

 Tudo bem. Se não há outra maneira, vamos lá, vamos extrair esta coisa de dentro de você. Só me dê um tempo para pensar. Vá dar uma volta enquanto eu faço os preparativos.

Yusuke sai todo feliz, deixando um abatido Hiroshi para trás. Que perdido em seus próprios pensamentos, não consegue dar sequer um único passo à frente mesmo após ele deixar o recinto. Nem mesmo o perspicaz Yusuke fora capaz de perceber que havia algo muito errado ali.

Lá fora, Urameshi se encontra com Kurama, Hiei e Mukuro e nota que apenas Darla já não estava mais entre eles. Com alegria, Kurama o recebe dizendo:

 Seja bem vindo de volta ao mundo dos vivos Yusuke. Você nos deixou preocupados. E então, se sente melhor agora? Como foi lá dentro? Por um momento pensamos que você tinha partido desta pra melhor.

 Ah, oi Kurama. Para ser sincero, eu não tive sucesso em dominar aquela força e essa história ainda não acabou. Apesar de a minha energia neste momento estar em um nível altíssimo, ela também está para me partir ao meio. Eu estou sentindo como se a minha pele fosse se rasgar de dentro pra fora a qualquer momento.

Agora preocupado, Kurama lhe pergunta:
 Então, não funcionou. O que você vai fazer?

 Eu sei lá, caminhar um pouco, arejar a cabeça. O velhinho me disse que ainda tem um jeito dele me ajudar. Mas que vai levar algum tempo para ele preparar tudo.

Mais aliviado agora, o grupo então se distrai com um forte ronco advindo do estômago de Yusuke. Que sem cerimônia alguma, lhes pergunta:

 Vocês não têm nada para comer aí não hein? Tô numa fome dos diabos.

Esboçando um leve sorriso, Kurama abre uma pequena pochete que estava oculta pelas suas roupas e retira dali algumas pequenas sementes que carregava consigo. Na palma da sua mão ele as energiza com a sua youki e as lança rapidamente contra o solo. Não leva mais do que um minuto para que elas germinem e cresçam, ramificando-se em arbustos de espessa folhagem e dando frutos de uma aparência exótica, muito parecidas com as berinjelas.

– Pode comer. É o que Kurama lhe diz em seguida.

Yusuke inicialmente mostra desconfiança, mas depois, põe-se a devorá-las uma após a outra de maneira voraz, como se não comece nada há muito tempo. Tudo o que ele levava à boca antes, tinha um sabor desagradável, mas estas frutas pareciam deliciosas. Kurama, em seguida, retira uma delas e entrega nas mãos de Hiei, que desconsertadamente, prova o sabor daquele fruto estranho e peculiar e descobre que é indubitavelmente saboroso.

Yusuke também oferece o mesmo fruto para Mukuro, que o recusa dizendo:
 Não, o meu estômago não aceita outra coisa senão seres humanos.

E, neste momento, Urameshi para de repente, como se sofresse de uma catastrófica epifania. Até então, não havia lhe passado pela cabeça que poderia ter se esquecido de algo assim tão importante. E no mesmo instante, uma grande revolta começa a tomar conta do seu coração, e olha que não estou a falar do núcleo maligno que o substituiu.

Dominado por suas emoções, ele passa a correr feito um louco por toda a vila, abrindo portas bruscamente e invadindo tendas, o que deveras assusta diversos moradores.

Sem entender ao certo o que estava acontecendo, o grupo o acompanha, com Kurama perguntando constantemente a ele o que afinal estava acontecendo, mas sem obter nenhuma clara resposta. Até que Yusuke se cansa do que estava fazendo e, ao avistar Darla, a segura pelo colarinho de suas roupas com apenas uma mão, e ameaçadoramente lhe pergunta:

 Cadê eles? Responda maldita! Onde estão os seres humanos?

Confusa, sem se abalar e sem dizer uma única palavra, Darla apenas lhe aponta a direção certa a seguir. Ao que Yusuke larga ela ali mesmo e corre em direção a uma espécie de curral onde ao seu lado, há um imenso galpão feito de madeira.

Em absoluto, nada poderia tê-lo preparado na vida para o que viria a seguir. Ao abrir aquelas portas, quando a luz exterior iluminou o que havia lá dentro, o choque só não lhe foi maior que a necessidade de cair em prantos. Porém, paralisado pela cena, Yusuke só foi capaz apenas de despejar uma única lágrima antes de deixar o ódio lhe possuir.

Na parte interna daquilo que só pode ser descrito como um estábulo, diversas criaturas humanoides fugiam aterrorizadas e em pânico. Seus corpos, cheios de deformidades e completamente nus, se amontoavam uns sobre os outros numa cena grotesca de medo indescritível. Como que pelo deslize de estarem mais próximos da porta naquele momento, fossem os primeiros a serem escolhidos para serem levados ao abatedouro. O que por sua vez se justificava totalmente, visto que o ambiente onde ocorria tal matança, também era ali mesmo entre aquelas quatro paredes e à apenas alguns passos de onde eles estavam. Naquele açougue improvisado, diversas partes de vísceras humanas eram constantemente visitadas por moscas, que se banhavam no sangue dos inocentes.

O cheiro em si era terrível e insuportável, provocando em Yusuke grande repulsa. Mesmo enojado, o que mais perturbou Urameshi foram os grunhidos advindos daquelas gargantas, que muito se assemelhava ao som gutural dos animais do campo. Após gerações e mais gerações de famílias humanas inteiras expostas e intoxicadas pelo miasma do Makai, tratadas ali, naqueles criadouros, apenas como meros animais para alimentação; eles já não possuíam mais nenhum vestígio de consciência ou de humanidade. Já não se comportavam mais como seres humanos, e mediante as inumeráveis deformações físicas e mentais, haviam se transformado irreversivelmente em alguma outra coisa.

Quando o restante do grupo o alcança, o outrora inerte substituto do seu coração já estava pulsando de maneira descompassada e descontroladamente. Chocado demais para dizer qualquer palavra, Yusuke apenas ergue seu braço com sutileza e aponta seu dedo indicador para o interior do recinto.

Ele poderia matá-los, poderia acabar com a sua agonia e sofrimento naquele instante. Mas seria realmente capaz de fazê-lo?

Vendo o que Yusuke estava intentando, Darla corre em sua direção para tentar impedi-lo, mas já era tarde demais ... com grande potência, Urameshi dispara um massivo Lei-gun. A esfera de energia gigantesca atravessa com furor a imensa estrutura de madeira, desintegrando completamente uma de suas paredes laterais e também tudo o que havia atrás dela, brilhando com intensidade até alcançar a linha do horizonte.

Mas diferentemente do que todos pensavam, nenhuma daquelas deformadas criaturas morre. Yusuke não havia mirado nelas. E em meio aos destroços espalhados pelo ar e pelo chão do local, que também ficou em chamas, algumas daquelas pessoas, se é que ainda podemos chamá-las assim, na verdade encontraram um caminho para a liberdade. Enquanto outras, tão adaptadas à aquela realidade, infelizmente se mostraram incapazes de fugir.

Com a chegada de Darla ao local, Yusuke toma um poderoso tapa na cara que o devolve ao mundo real quando ela extremamente irritada lhe diz:

 O que você está fazendo seu imbecil? Aquilo era tudo o que nós tínhamos para comer!

Mas com um olhar verdadeiramente assustador, Yusuke devolve a pergunta dizendo:
 O que eu estou fazendo?

Em seguida, Urameshi ergue Darla novamente com a sua mão direita e aponta seu dedo indicador diretamente para o rosto de Darla. Ele concentra abruptamente suas energias, ameaçando assim disparar o seu lei-gun à queima roupa contra a garota até que Mukuro agarra seu braço e lhe impede de atacar dizendo:

 Não seja burro garoto, e nem hipócrita! Isto faz parte da realidade do mundo das trevas e não difere muito daquilo que vocês mesmos fazem para se alimentar com os animais do seu mundo. É uma simples questão de sobrevivência.

 Me larga Mukuro, você não viu aquilo? Era desumano!

 Eles são youkais Yusuke, uma tribo de Mazokus devoradores da qual até mesmo Raizen fez parte. Você esperava o quê? Não entende a necessidade deles?

 Não. Numa ocasião, eu até me propus a levar alguns humanos para Raizen comer, mas eu pensava em pessoas inescrupulosas e não em inocentes. Definitivamente, não pensava em crianças. Mas o que eles fazem aqui, é bárbaro, é perverso e cruel. Eu não desejaria isso nem para o meu pior inimigo.

 Olhe à sua volta Yusuke, pense em onde estamos: Num ponto extremo do mundo das trevas. Acha que eles tinham muitas opções senão montar os criadouros? Acha que há tantos humanos vagando por aí ou que eles podiam escolher até mesmo a índole de quem devorar? Você é um tolo moleque. Apenas lhes tirou o seu único sustento.

Tomando este choque de realidade, mas ainda sem se arrepender do que fez, Yusuke passa a se sentir como a pessoa mais desprezível do mundo ao se deparar com algo tão pesado e diferente da sua própria realidade e cultura, com a qual ele jamais poderá lidar.

Mukuro por sua vez, se vira para Darla dizendo:

 Você aí, ô garota da saia de Pedrita, chame alguns dos seus amigos. Eu vou ajudar vocês a recapturá-los.

Em seguida, ela se dirige ao abatido Urameshi dizendo:

 Quanto a você Yusuke, vê se toma jeito. Você precisa entender que há coisas no mundo das trevas que simplesmente não dá para mudar.

Por alguns minutos, Yusuke permaneceu ali, parado de pé e com a cabeça baixa, enquanto via a movimentação e os preparativos pra caçada ocorrerem ao seu redor. Com ele, ficaram apenas Kurama e Hiei, que não foram capazes de dizer uma só palavra de conforto, pois lá no fundo, em seu interior, eles de certo modo também concordavam com as palavras de Mukuro.

E deste modo, distraídos pensando que o fluxo repentino de pessoas correndo ao seu redor ainda fazia parte da movimentação que anteriormente se deu mediante o início da caçada, eles não perceberam o momento em que os primeiros ataques começaram a acontecer, até que um grito verdadeiramente aterrorizado lhes chamou a atenção.

 Yahhhhhhhhhhhhh!!

 O que diabos foi isso? Pergunta Yusuke.
 Parecia um grito de dor. É o que responde Kurama.

Ao que Hiei lhes aponta uma direção entre as tendas dizendo:
 Olhem aquilo!

Ao direcionarem o olhar para a direção indicada, Kurama e Yusuke avistam uma garota Mazoku encurralada pela presença animalesca e ameaçadora de uma criatura de proporções avantajadas, quase do tamanho de um carro e muito semelhante a um imenso felino, todavia, sem quaisquer pelagens sobre seu dorso e possuindo presas enormes.

A distância entre eles era demasiadamente grande, e consequentemente, não havia tempo ou a possibilidade de salvá-la. Sendo ela assim, infelizmente dilacerada ali mesmo diante de seus olhos.

Com espanto, eles observam inúmeras outras criaturas idênticas a esta surgirem por todos os cantos do vilarejo, atacando os moradores e destruindo suas casas. Muitos deles, como bons guerreiros que são, conseguem se defender com algum esforço, ou mesmo, se afastar sem sofrer nenhum arranhão. No entanto, os Mazokus mais vulneráveis, como os idosos e as crianças, já não tem tanta sorte.

Kurama, então, se dirige a Yusuke e a Hiei dizendo:
 Precisamos ajudá-los.

Mas atormentado pelo peso da dúvida imposto pelos seus próprios pensamentos após tudo o que viu, Yusuke não se move nem um centímetro e lhe diz automaticamente em resposta:

 Não. Eu … não sei se quero.

Dando uma verdadeira sacudida em Urameshi, que lhe cai como um choque de realidade, Kurama lhe põe de volta aos eixos o forçando a se movimentar num solavanco e lhe dizendo:

 Para com isso Yusuke, e vamos logo!

Mas sendo interrompido por uma nova ameaça, Kurama não consegue dar nenhum passo sequer ao ouvir em alto e bom tom a voz de Hoozen se dirigir a eles com furor dizendo:

 Não, vocês não vão a lugar algum.

Montada em uma daquelas terríveis feras selvagens, testemunhamos o regresso de Hoozen ao campo de batalha, que posicionada em um ponto elevado do terreno, chega ao local acompanhada de Takuma, o mestre das bestas, que se posiciona ao centro do grupo, e ao seu lado, a irmã de Toshio; a youkai chamada Sayaka, que vem montada numa terceira fera.

Quando todos os olhares se cruzam e se encaram agressivamente, fica claro que uma nova e terrível batalha estava prestes a começar. Mas nas condições atuais de Yusuke seria possível a ele sobreviver?

Não percam o próximo episódio de Eternamente Yu Yu Hakusho.
Nos vemos no próximo volume: “Batalha nas trevas”.


Eu não conheci o outro mundo por querer!
Espelhos se quebram e te refletem ...

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